Robinhood e Kalshi: a linha sensível entre investir e apostar

A Robinhood ficou conhecida nos EUA por “democratizar” os investimentos. Foi a corretora que colocou ações na palma da mão da geração Z e transformou o trading em hobby. Seu papel por lá é parecido com o que o Nubank representa no Brasil: símbolo de simplicidade, acessibilidade e digital-first.

Até que a empresa deu outro passo: lançou prediction markets para jogos de futebol americano, NFL e college.

Como funciona?

Diferente de uma aposta tradicional, em que a casa de apostas define as odds (odds são os números que indicam quanto você pode ganhar em uma aposta, refletindo a probabilidade de um evento acontecer), na Robinhood quem define o preço são os próprios usuários, comprando e vendendo posições em tempo real, no modelo muito parecido com trade. É como se o resultado do Super Bowl fosse tratado como uma ação na bolsa.

Esse modelo não é exatamente novo: desde o fim de 2024, a Robinhood já vinha testando prediction markets em política (como na eleição presidencial entre Trump e Kamala Harris), economia, cultura e até cripto. O futebol, esporte mais popular dos EUA, foi só o próximo capítulo. Até aqui, já foram mais de 2 bilhões de contratos negociados, enquanto a ação da empresa disparou mais de 400% em um ano.

Vale destacar: legalmente, não é “betting” porque roda em uma exchange regulada pela CFTC (órgão equivalente à CVM no Brasil). Mas, na prática, a semelhança com uma aposta é grande demais para passar despercebida, e não ser comentada.

Investimento ou especulação?

Em outro post aqui do blog, já expliquei a diferença entre investidor e especulador:

  • Especulador: compra e vende ativos em curtos períodos, tentando lucrar com a variação dos preços. É o caso de day trade, swing trade e opções (para os ansiosos).
  • Investidor: compra com foco no longo prazo, tornando-se sócio de boas empresas, reinvestindo dividendos e deixando os juros compostos fazerem o trabalho. É a filosofia do buy and hold (para quem quer dormir bem e tem mais o que fazer).

Essa diferença é fundamental. O ambiente de especulação está muito mais próximo de uma aposta do que de uma estratégia de construção de patrimônio.

Normalmente, os investidores mais famosos e bem sucedidos utilizam a estratégia buy and hold, como Warren Buffet, Peter Lynch, Philip Fisher e, no Brasil, Luiz Barsi.

Aqui você pode ver o CEO Charles Schwab, falando sobre como esse imediatismo estimulado pelas apostas é perigoso e distorce a ideia de investimento, que leva tempo e consistência para ser construído.

A crítica à Robinhood

Aqui entra o meu ponto de vista: considero estranho que uma empresa que nasceu com o discurso de facilitar o acesso dos jovens ao mercado financeiro esteja, agora, reposicionando sua narrativa para estimular apostas de forma explícita, mas chamando de ˜mercado de previsão˜. Na verdade, a Robinhood sempre manteve um viés voltado ao trade, e não ao investimento de longo prazo.

Basta olhar a bio do Instagram: Trade. Invest. Earn. Um slogan que traduz a gamificação do processo de negociação. Se o foco fosse realmente investir, o slogan poderia soar mais próximo de algo como: Study, build a strategy, invest, and sleep in peace.

Talvez seja uma forma de mostrar ao jovens como esse tipo de investimento funciona, a partir de assuntos que eles se interessam, mas será que vale o risco? Sendo que a chance de perda é real e muito mais alta?

Esse posicionamento, além de confundir, afasta quem busca investir com seriedade, pensando apenas em garantir um patrimônio futuro, e não em transformar finanças em um jogo de apostas ou trade.

É preciso olhar isso com cuidado. Afinal, como diz o ditado em Las Vegas: “a casa sempre ganha”. A questão é: quem são os verdadeiros beneficiados nesse processo?

Sabemos que muita gente é atraída pela esperança de ganhar dinheiro fácil, e a Robinhood pode se aproveitar disso. Não me surpreende o salto nas ações da empresa após o anúncio, para muitos, isso pode parecer sinônimo de solidez e crescimento. Mas, como já comentei em outros posts, esse movimento pode refletir apenas otimismo de algumas pessoas e um mercado “emocionado”, e não fundamentos concretos.

No fim, é importante reforçar: o enriquecimento não vem de apostas, e nem de investimentos em si. Ele vem do trabalho.

Investir deve ser visto como um meio para preservar e potencializar aquilo que você conquistou com esforço e inteligência estratégica.

Quem dá dinheiro é pai e mãe. O resto, você precisa conquistar com trabalho útil.

O caso da empresa Kalshi

Em 2025, outra empresa entrou no radar dos brasileiros, não como opção de consumo, mas como tema de debate. A Kalshi passou a ser questionada por atuar no mercado de previsões de eventos futuros, levantando a discussão sobre até que ponto esse modelo se aproxima de uma casa de apostas com estética “gourmetizada”.

O assunto ganhou força após a brasileira Luana Lopes Lara, de 29 anos, integrar a lista Forbes Under 30 à frente da empresa, sendo a bilionária mais jovem do mundo.

Assim como a Robinhood, a Kalshi opera a negociação de contratos baseados em eventos futuros, evidenciando como esse mercado vem se aquecendo nos Estados Unidos, um movimento que desperta atenção e também preocupação.

E no Brasil?

Por aqui, não existe nada parecido, ainda bem.

As corretoras brasileiras, como XP, Inter ou BTG, oferecem uma gama de produtos de investimento, mas não se aventuram em eventos esportivos. No entanto, não seria realista acreditar que essa tendência nunca chegará por aqui. Se chegar, só reforçará a necessidade de educação financeira séria e acessível.

O movimento da Robinhood e Kalshi traz uma questão maior: até onde investimento e aposta vão se misturar?

Quando marcas de alcance tão grandes usam sua narrativa dessa forma, o que sobra dela no imaginário coletivo?

Como o investidor mais conservador vai se sentir seguro em colocar seu dinheiro em uma plataforma que flerta tão diretamente com o universo das apostas?


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Uma resposta para “Robinhood e Kalshi: a linha sensível entre investir e apostar”.

  1. […] especuladores operam pensando apenas no curto prazo, preocupados com movimentos de preço e não com a qualidade do ativo, muito parecido com um ambientes de aposta. […]

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