Análise do investimento na Coca-Cola: oportunidades e riscos

Investir em ações vai muito além de escolher empresas populares ou marcas que conhecemos. Para tomar decisões mais seguras e fundamentadas, é preciso entender profundamente o negócio, seu potencial de crescimento e a qualidade da sua gestão.

Um dos métodos mais respeitados para esse tipo de análise é o desenvolvido por Philip Arthur Fisher no livro Ações Comuns Lucros Extraordinários, que propõe 15 principais pontos para avaliar uma empresa, desde a força de seus produtos no mercado até a integridade da administração.

Neste post, vamos aplicar esses ensinamentos à avaliação de uma gigante mundial: a Coca-Cola.

A ideia não é apenas olhar para números financeiros, mas compreender como a empresa se organiza, inova, mantém margens de lucro e se posiciona frente aos concorrentes.

Ao longo da análise, responderemos às perguntas que Fisher considera essenciais para identificar se uma empresa realmente oferece segurança e potencial de crescimento para investidores da coquinha.

Coca Cola e sua adaptação ao mercado

A Coca-Cola está no mercado há mais de 135 anos. E sobreviver tanto tempo só foi possível porque ela sempre soube se adaptar.

Um exemplo conhecido é a criação da Fanta. Durante a Segunda Guerra Mundial, na Alemanha, a Coca-Cola não conseguia importar os ingredientes do xarope original por causa do bloqueio comercial. A solução foi usar o que tinha à mão: soro de leite e bagaço de maçã. Assim nasceu a Fanta, cujo nome vem de Fantasie (imaginação).

Ao final da guerra a Coca Cola Company adquiriu oficialmente a Fanta, que foi relançada com novos sabores e se tornou um dos refrigerantes mais populares do mundo, especialmente o sabor laranja.

No verão de 1980, a Coca-Cola finalmente tirou do papel uma ideia que estava engavetada há quase vinte anos: lançar uma versão “diet” do seu refrigerante clássico. O responsável por tocar o projeto foi Jack Carew, gerente de planejamento da empresa.

Na época, o cenário já apontava para essa necessidade. O TaB, refrigerante diet da própria Coca-Cola, vinha crescendo, mas começava a roubar mercado da versão tradicional. Era um dilema: se lançassem a Coca-Cola Diet, corriam o risco de canibalizar o TaB, se não lançassem, poderiam perder espaço para concorrentes.

O contexto ajudava na decisão: nos anos 80, as colas representavam 60% de todas as vendas de refrigerantes nos EUA, mas a categoria “diet” crescia três vezes mais rápido. Ou seja, era o produto certo na hora certa.

Esse olhar atento ao comportamento do consumidor continuou nos anos seguintes.

Quando os refrigerantes começaram a perder força por conta da conscientização sobre saúde e excesso de açúcar, a Coca-Cola apostou nos sucos de caixinha. Depois, quando eles também passaram a ser questionados pelo alto teor de açúcar, a empresa avançou para o mercado de águas.

E não parou por aí. Em 2016, chegou ao Brasil a Coca-Cola Life, feita com açúcar e stevia, com 50% menos açúcar do que a versão clássica. Um movimento alinhado com as pressões culturais de reduzir o consumo de adoçantes tradicionais.

Hoje, vemos até nutricionistas indicando a Coca Zero (para aqueles momentos em que a água não tem graça), que inclusive já deixou de lado o nome “Zero” e virou apenas “Coca-Cola sem açúcar”, com uma embalagem quase idêntica à original, e o sabor muito aproximado.

Minha teoria é que a ideia da marca seja gerar uma compra por acidente daqueles que não consomem a sem açúcar, com medo do sabor ser muito inferior, levando a pessoa a experimentar o produto que comprou por engano. Foi assim que aconteceu aqui na minha casa, haha.

A Coca Cola é a marca de refrigerante sem açúcar preferida dos paulistanos.

O ponto é que a Coca-Cola Company vive de ajustes graduais. Não dá passos gigantes, mas sempre acompanha o público de perto para não perder relevância. Seja no refrigerante clássico, nas águas, sucos, cervejas, chás, bebidas esportivas ou até balas, a empresa está presente em muito mais marcas do que a gente imagina, basta olhar mais de perto alguns rótulos.

A aula de logística da Coca-Cola

Aqui vai uma coisa que pouca gente sabe: quando você vê uma fábrica da Coca-Cola na sua cidade, ela não é necessariamente da “The Coca-Cola Company”. No Brasil, por exemplo, quem engarrafa é a Coca-Cola FEMSA (FEMSA significa Fomento Econômico Mexicano S.A.B. de C.V), uma empresa mexicana que atua globalmente.

Funciona assim: a Coca-Cola vende o concentrado (o famoso xarope) para as engarrafadoras autorizadas. Elas misturam, embalam, distribuem e vendem. Esse sistema dá uma escala absurda e garante que você encontre uma Coca gelada em praticamente qualquer lugar do planeta.

Além disso, grandes redes como McDonald’s, Burger King e Domino’s têm contratos exclusivos com a Coca-Cola. Isso significa que, ao pedir um combo, dificilmente você vai ver uma Pepsi na mesa. Isso mostra seu poder de venda.

Vamos aos números

Ok, história bonita é legal, mas e os números? Aqui está um resumo que mostra por que a Coca-Cola ainda dá orgulho aos acionistas.

Nos anos 1980, a Coca-Cola passou por uma virada importante. Sob a liderança do CEO Roberto Goizueta, a empresa decidiu se desfazer de negócios menos lucrativos e voltar ao seu ponto mais forte: o xarope de cola. Esse foco renovado trouxe resultados expressivos nos indicadores financeiros e acabou chamando a atenção de ninguém menos que Warren Buffett, que em 1988 comprou uma fatia significativa da companhia, um investimento que se mostrou extremamente lucrativo.

Confesso que não foi esse episódio que me fez escolher a Coca-Cola como a primeira empresa para analisar aqui no blog. O que me atrai mesmo é a sua capacidade de adaptação ao longo das décadas. Mas não dá para negar que a decisão de Buffett ainda hoje é lembrada como um marco para investidores.

Falando em números, é aqui que a Coca-Cola se destaca:

  • Enquanto a margem de lucro bruto média das empresas do setor gira em torno de 32,5%, a Coca-Cola atinge impressionantes 61,4%, colocando-a entre as melhores do mercado.
  • Já a margem líquida, nos últimos 12 meses até agosto de 2025, ficou em 22,59%. Traduzindo: a cada dólar que entra, a empresa transforma quase 23 centavos em lucro líquido, já descontando todas as despesas e impostos.

Comparando com concorrentes diretos, como a Pepsi, a Coca-Cola geralmente mantém uma posição confortável.

Isso se deve ao peso da marca global, à liderança de mercado e ao seu sistema de distribuição eficiente. Para completar, os dados mais recentes mostram um crescimento sólido tanto na margem operacional quanto no lucro líquido, sinal de uma performance financeira consistente.

Coca Cola na Bolsa de Valores

Na Bolsa de Valores, você pode investir na Coca-Cola de quatro formas, cada uma vinculada a uma empresa diferente:

  • KO – The Coca-Cola Company: é a empresa-mãe, dona da marca Coca-Cola e de várias outras bebidas. Ao comprar essa ação, você investe diretamente na dona da marca.
  • CCEP – Coca-Cola Europacific Partners: engarrafadora que atua na Europa e Ásia-Pacífico, responsável por produzir e distribuir os produtos nesses mercados.
  • KOF – Coca-Cola FEMSA: maior engarrafadora da marca na América Latina, com destaque para México e Brasil, além de outros países emergentes.
  • COKE – Coca-Cola Consolidated: a maior engarrafadora nos Estados Unidos, cuidando da produção e distribuição em regiões específicas.

Neste estudo, vou me aprofundar na The Coca-Cola Company (KO).

Valor de mercado e dividendos

Atualmente, o valor de mercado da Coca-Cola Company é de cerca de US$302 bilhões. Para analisar dividendos, olhamos o Dividend Yield (DY), que mostra quanto a empresa distribuiu de lucros aos acionistas em relação ao valor de suas ações.

Por exemplo: o rendimento atual de dividendos da Coca-Cola é de 2,84%. Isso significa que, para cada US$1.000 investidos, o acionista recebeu aproximadamente US$28 no último ano.

É importante entender que:

  • Lucro da empresa ≠ distribuição de dividendos. A empresa pode lucrar US$100 mil e decidir distribuir apenas US$50 mil, guardando o restante em caixa.
  • O DY ajuda a verificar se a empresa mantém uma política de pagamentos consistente e sustentável.
O que isso significa para o investidor?
  • A Coca-Cola tem uma longa tradição de pagar dividendos, o que transmite estabilidade e previsibilidade.
  • O crescimento dos dividendos hoje é mais lento, já que a empresa atingiu seu pico como maior fabricante de bebidas não alcoólicas do mundo.
  • O índice atual é considerado saudável: a empresa não compromete suas finanças para remunerar os acionistas, o que sugere que continuará pagando dividendos mesmo em momentos de oscilação nos lucros.
  • Suas práticas financeiras são historicamente conservadoras, priorizando estabilidade de longo prazo.

Ponto essencial para o investidor Buy and Hold

Se você está na fase de construção de patrimônio, é fundamental reinvestir os dividendos recebidos.

Não precisa ser na própria Coca-Cola, mas é esse reinvestimento que gera o efeito dos juros compostos, acelerando o crescimento do capital. Ignorar essa prática pode comprometer seus resultados no longo prazo.

O lado humano da Coca Cola

Como lugar para trabalhar, a Coca-Cola costuma ter uma boa reputação. No Glassdoor, por exemplo, aparece com nota 4,1, o que não é pouca coisa quando pensamos em uma empresa com milhares de funcionários espalhados pelo mundo.

Eu conheci uma funcionária da Coca-Cola FEMSA em Itabirito (MG). Ela era Relações Públicas e falava com entusiasmo sobre os projetos voltados para a comunidade local. Lembro que havia muitos eventos promovidos pela empresa, e, naquela época, inclusive tirei uma certificação em Meio Ambiente pela FGV, patrocinada pela Coca. É uma opinião pessoal e um caso único, mas reflete a reputação online.

No LinkedIn, a marca também aparece com frequência. Funcionários celebram o fato de trabalhar em uma empresa tão reconhecida, enquanto outros usam os feitos da Coca-Cola como exemplo de gestão e estratégia para outros negócios.

A liderança da empresa, aliás, sempre foi marcada por certa estabilidade, com cada presidente deixando sua contribuição:

  • Asa Griggs Candler: comprou a fórmula da Coca-Cola e fundou a The Coca-Cola Company, dando o pontapé inicial no sucesso com forte aposta em marketing e branding.
  • J. Paul Austin: assumiu em 1962 e conduziu a empresa em um período de crescimento acelerado até 1981.
  • Roberto Goizueta: deu sequência à expansão e fortaleceu ainda mais a imagem da marca.
  • James Quincey: CEO até 2025, que guiou a Coca-Cola com foco em propósito corporativo e sustentabilidade.
  • Henrique Braun: brasileiro assume em 2026, e promete ajustar as estratégias para consumidores que buscam bebidas e lanches saudáveis e acessíveis.

A liderança estável da Coca Cola

James Quincey, presidente anterior, entrou na Coca-Cola em 1996 e construiu sua carreira passo a passo dentro da companhia. Passou por diferentes países, morou na América Latina e liderou a aquisição da Jugos del Valle, no México.

Depois, assumiu a presidência da Unidade de Negócios Noroeste da Europa e Nórdicos (2008–2012) e, em 2013, tornou-se presidente do Grupo Europa, onde esteve à frente de movimentos estratégicos como a compra da Innocent Drinks e a reorganização das operações de engarrafamento no continente.

Um detalhe curioso é que, no início de sua trajetória, foi peça-chave para que a Coca-Cola começasse a vender porções menores, que se mostrou um passo importante para a empresa acompanhar mudanças no comportamento do consumidor.

Ou seja, Quincey não caiu de paraquedas na presidência. Ele cresceu junto com a companhia, conheceu seus processos de perto e acumulou uma bagagem sólida antes de chegar ao topo. Esse tipo de trajetória dá mais credibilidade ao seu trabalho e mostra porque seu comando foi tão relevante.

Veja a entrevista para entender seu posicionamento em meio a essa crise de imagem:

Em 2025, James Quincey passou por uma transição planejada de liderança. Após quase uma década como CEO e cerca de 30 anos na companhia, o conselho decidiu iniciar um processo de sucessão para a próxima fase de crescimento do grupo.

Quincey deixará o cargo de CEO em março de 2026, transferindo a função para Henrique Braun, atual COO e executivo de longa trajetória dentro da empresa (30 anos), ao mesmo tempo em que permanecerá como chairman executivo, garantindo continuidade estratégica, governança e apoio ao novo comando.

Trata-se de um movimento comum em grandes corporações globais, que busca equilibrar renovação na gestão com preservação da visão de longo prazo.

Riscos? Sempre tem

Agora, vamos às perturbações.

Apesar de todos os esforços, a Coca-Cola não está imune a fatores externos, principalmente de ordem geopolítica. Por ser uma marca americana, a companhia frequentemente enfrenta boicotes de grupos anti-EUA. Em entrevista, o próprio presidente da empresa destacou que essas ações têm impacto mínimo e não chegam a afetar a lucratividade em nível global.

Sobre os “tarifaços” impostos por Donald Trump no momento atual, James Quincey também explicou, no vídeo acima, que a companhia praticamente não sentiu os efeitos, já que sua operação é altamente descentralizada.

Em cada país, a Coca-Cola atua localmente: fábricas locais, funcionários locais e consumo local. Essa estratégia garante resiliência e foi exatamente o que aconteceu em 1940, quando a Fanta foi criada na Alemanha em meio à guerra.

Quincey demonstra abertura ao abordar esses pontos, mesmo em momentos conturbados.

Ainda assim, olhando para o futuro, é claro que a Coca-Cola precisará ser cautelosa ao se posicionar em questões políticas, especialmente em um cenário global tão polarizado.

O ex-presidente, no entanto, afirmou que a empresa já enfrentou altos e baixos diversas vezes ao longo da história e sempre encontrou caminhos para se adaptar, e que não será diferente daqui para frente. Pode soar como discurso protocolar para investidores, mas, conhecendo o histórico da companhia, há consistência nessa fala.

No curto prazo, não enxergo grandes áreas de crescimento para a Coca-Cola, que inclusive teve uma queda no consumo na américa latina, devido a inflação e alta do preços. Contudo, manter-se líder e referência absoluta no mercado de bebidas adoçadas global já é, por si só, uma barreira difícil de ser superada por concorrentes.

Coca Cola no Brasil

Recentemente, Luciana Batista, presidente da Coca-Cola no Brasil e Cone Sul, anunciou um novo investimento de R$7 bilhões no país, que se soma aos R$4 bilhões aplicados no ano passado. Segundo ela, o Brasil é hoje um dos mercados mais estratégicos para a companhia: é o quarto maior do mundo e também referência em inovações.

Será por isso a escolha no novo presidente brasileiro Henrique Braun?

O aporte será direcionado para ampliar a capacidade produtiva, modernizar fábricas, otimizar o consumo de água (o que traz ganhos em eficiência e sustentabilidade), além de renovar a frota e fortalecer ações de marketing.

Na prática, esse movimento mostra o quanto a empresa enxerga o Brasil não só como um grande mercado consumidor, mas também como uma aposta de crescimento no futuro próximo.

Veja na entrevista completa:

Vale a pena investir na Coca Cola?

Se você busca uma ação para ganhos rápidos, talvez a Coca-Cola não seja para você. Mas se quer estabilidade, dividendos regulares e a tranquilidade de investir em uma marca que parece eterna, essa é uma escolha certeira.

Afinal, não é à toa que Warren Buffett investiu pesado na Coca em 1988 e colhe os frutos até hoje.

Gostou dessa análise? Esse é só o começo de uma série de posts sobre gestão de negócios e empresas.


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2 respostas para “Análise do investimento na Coca-Cola: oportunidades e riscos”.

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