Li O Cérebro da Criança pela primeira vez durante a gravidez, como forma de me preparar para a maternidade. Agora, relendo enquanto vivencio tudo na prática, percebo ainda mais a profundidade e aplicabilidade dos ensinamentos.
O que mais me chamou atenção é que o livro não só ajuda a compreender o funcionamento do cérebro infantil, mas também lança luz sobre o comportamento de muitos adultos.
Afinal, é possível identificar em nós mesmos, e nos outros, traços de uma orientação emocional que faltou na infância, e que, sem intervenção, pode nos acompanhar ao longo da vida.
Escrito por Daniel J. Siegel e Tina Payne Bryson, ambos estudiosos da neuropsiquiatria e do desenvolvimento infantil, o livro traz uma abordagem científica em linguagem acessível.
Este não é um livro sobre educação positiva, mas sim uma obra que nos ajuda a compreender melhor as reações das crianças diante de determinadas situações e a lidar com elas de forma mais inteligente, sem nos deixarmos levar pelo estresse. A autora reforça que nem sempre conseguiremos aplicar todas as estratégias apresentadas, e tudo bem: somos humanos, imperfeitos, apenas tentando fazer o nosso melhor.
É uma leitura valiosa para qualquer pessoa que conviva com crianças e pode servir como um guia de consulta constante.
Como o cérebro é dividido?
De forma didática, os autores dividem o cérebro em quatro regiões principais, com base na lateralidade (direita e esquerda) e na organização vertical (parte de cima e parte de baixo). Essa divisão ajuda a compreender os desafios do desenvolvimento infantil e as estratégias ideais para lidar com eles.
Lado esquerdo e lado direito
🧠 O lado esquerdo é responsável pela lógica, planejamento, linguagem e organização sequencial das informações.
🧠 Já o lado direito está ligado às emoções, à empatia, aos sentimentos corporais e à experiência não verbal.
Nos primeiros anos de vida, o lado direito é muito mais ativo. É por isso que as crianças pequenas se expressam mais por gestos, choros e explosões emocionais do que por palavras racionais.
O grande desafio é que, até por volta dos três anos, o lado emocional predomina, e é justamente nesse período que os cuidadores precisam trabalhar para que os dois lados comecem a funcionar de forma integrada.
Quando uma criança está emocionalmente abalada, seu lado lógico não funciona. A primeira etapa para uma comunicação eficaz é conectar-se com o lado direito da criança, ou seja, acolher as emoções dela, para só depois acessar o lado esquerdo, mais racional.
Por exemplo: sua filha quer comer mais uvas, mas elas acabaram. É domingo à noite, nada está aberto, e não há como resolver aquilo naquele momento. Em vez de simplesmente explicar que não é possível, o ideal é validar o sentimento da criança:
“Eu entendo que você queria mais uvas. Às vezes também fico triste quando quero comer algo que não tenho em casa. Mamãe e papai já se sentiram assim também.”
Acolhendo primeiro a emoção, você cria um espaço de segurança. Depois, com o emocional mais equilibrado, pode apresentar alternativas com o lado racional:
“Não temos uvas agora, mas temos melancia, abacaxi ou laranja. O que acha? E amanhã podemos ir ao supermercado escolher uvas bem gostosas juntos.”
Esse tipo de abordagem treina o cérebro da criança a reconhecer e integrar as emoções com a lógica, habilidade essencial para o amadurecimento.
Você saberá que o lado esquerdo está se desenvolvendo quando a famosa fase dos “porquês” começar. É o momento em que a criança começa a buscar explicações e conexões lógicas para tudo ao seu redor.
A lógica do rio
Os autores usam uma metáfora para explicar o equilíbrio emocional: a mente funciona como o curso de um rio.

- De um lado, está a margem do caos, representando desorganização emocional, impulsividade e confusão.
- Do outro, a margem da rigidez, onde há inflexibilidade, controle excessivo e desconexão emocional.
💔 O caos vem do domínio do lado direito sem regulação. A criança (ou o adulto) se sente perdida, tomada por emoções intensas e desorganizadas.
🌵 A rigidez aparece quando o lado esquerdo domina isoladamente. A pessoa age com frieza, lógica excessiva e dificuldade de conexão afetiva.
A saúde mental está no meio do rio — um estado de equilíbrio, onde há flexibilidade, estabilidade e capacidade de adaptação.
Uma mente saudável é aquela que compreende suas emoções, mas não é governada por elas; que sabe planejar, mas também sentir; que se conecta com os outros com empatia e propósito.
Andar de cima e andar de baixo do cérebro
Outra analogia presente no livro é a da casa de dois andares:
🏠 O andar de baixo é a parte mais primitiva do cérebro. Ele cuida das funções básicas (como respirar e piscar), dos impulsos de sobrevivência (como lutar ou fugir) e das emoções intensas e instintivas (como raiva e medo). Esse andar já está plenamente funcional ao nascimento.
🏠 O andar de cima é mais sofisticado e continua em construção até os 20 e poucos anos de idade. Ele é responsável por:
👑 Tomada de decisões
👑 Controle das emoções
👑 Autoconhecimento
👑 Empatia
👑 Moralidade
Um cérebro com o andar de cima bem desenvolvido é capaz de refletir antes de agir, considerar as consequências dos seus atos e se colocar no lugar do outro.
Birra do andar de cima × birra do andar de baixo
Nem toda birra é igual — e entender isso muda completamente nossa forma de reagir a elas.
Birra do andar de cima
É estratégica e consciente. A criança tem controle, mas usa a birra para tentar conseguir algo. Por exemplo, faz escândalo porque quer um brinquedo novo no shopping.
Como lidar:
Esse é o momento de firmeza. Como a criança está usando o lado racional, ela entende causas e consequências. Explique com clareza por que aquilo não será possível e, se necessário, estabeleça limites e consequências justas.
Birra do andar de baixo
É impulsiva e descontrolada. A criança está dominada por emoções intensas e não tem capacidade de se autorregular. É o momento do famoso: “ela perdeu a cabeça!”.
Por exemplo: sua filha começa a chorar e gritar na hora de pentear o cabelo antes da escola, recusando-se a deixar você arrumar.
Como lidar:
Esse é o momento de conexão. Não adianta argumentar ou gritar. O ideal é acolher:
“Você está chateada, né? Está tudo bem ficar assim às vezes.”
Acolha no colo, acalme a criança, e só depois, quando ela estiver mais tranquila, retome a conversa com lógica e possíveis soluções.
O papel das memórias explícitas e implícitas nos seres humanos
No livro O Cérebro da Criança, os autores explicam que o cérebro armazena dois tipos principais de memória: a implícita e a explícita.
A memória implícita é formada desde o nascimento e opera de maneira automática, inconsciente. Ela é responsável por reações emocionais, sensações corporais e padrões de comportamento adquiridos por experiências, mesmo quando não conseguimos nos lembrar conscientemente delas. Por isso, uma criança pode reagir com medo ou ansiedade a determinada situação sem saber explicar o motivo, a memória implícita está atuando.
Já a memória explícita começa a se desenvolver mais tarde, geralmente por volta dos 18 a 36 meses, e envolve lembranças conscientes de fatos, eventos e narrativas.
É o tipo de memória que usamos para contar o que fizemos no fim de semana ou lembrar de uma festa de aniversário. Segundo os autores, ajudar a criança a integrar essas duas formas de memória é essencial para seu desenvolvimento emocional e cognitivo. Isso pode ser feito, por exemplo, ao ajudá-la a contar suas histórias e dar sentido às experiências difíceis, conectando emoções e fatos de forma segura e organizada.
Compreender o papel dessas memórias permite que pais e educadores ajudem as crianças a desenvolver autoconhecimento, resiliência e uma narrativa pessoal coerente, elementos fundamentais para o equilíbrio emocional ao longo da vida.

Conclusão do livro O Cérebro da Criança
A conclusão do livro O Cérebro da Criança, de Daniel J. Siegel e Tina Payne Bryson, reforça a ideia central da obra: compreender como o cérebro infantil funciona é essencial para educar com empatia, promover equilíbrio emocional e fortalecer o desenvolvimento integral da criança.
Os autores encerram o livro destacando que os momentos difíceis (birras, frustrações, medos) são oportunidades valiosas de ensino e conexão emocional.
Em vez de reagir automaticamente ou apenas punir, os adultos são convidados a usar essas situações para ajudar a criança a integrar diferentes partes do cérebro, conectando o lado racional com o emocional, o passado com o presente, e experiências sensoriais com linguagem e reflexão.
A mensagem final é otimista: pais não precisam ser perfeitos, apenas conscientes e intencionais. Quando os adultos oferecem segurança, escuta e orientação, ajudam a criança a se tornar mais equilibrada, empática, resiliente e capaz de lidar com os desafios da vida de forma saudável.
A conclusão também encoraja os leitores a praticarem as estratégias apresentadas no livro no dia a dia, lembrando que o cérebro é moldado pelas experiências, e que cada interação pode ser uma oportunidade de crescimento para a criança, e para os adultos também.
SIEGEL, Daniel. O cérebro da criança. 1ª edição. São Paulo: Editora nVersos, 2015.
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