Brain rot, polarização e enshittification. Essas três palavras parecem exageradas à primeira vista, mas definem perfeitamente o estado atual das redes sociais.
Mais do que um espaço para socializar, elas se tornaram um ambiente que intoxica o pensamento, separa as pessoas e degrada qualquer tentativa de diálogo ou profundidade.
Nos últimos anos, venho observando uma deterioração constante da qualidade das interações online. Aquilo que antes servia para conectar agora isola. O que era troca virou disputa. E o conteúdo, que poderia informar ou inspirar, se resume a fórmulas prontas que servem mais aos algoritmos do que às pessoas.
O que é brain rot e por que isso deveria nos preocupar?
A Universidade de Oxford escolheu “brain rot” como a palavra do ano de 2024, e não é por acaso. O termo define o desgaste mental causado pelo consumo excessivo de conteúdos rasos, rápidos e repetitivos. Aqueles vídeos curtos, as listas sem profundidade, os debates vazios que se espalham aos montes. Parece inofensivo no dia a dia, mas aos poucos vai corroendo a capacidade de pensar com clareza.
O resultado é visível: dificuldade de concentração, pensamento superficial, dependência de estímulos imediatos e até um certo desânimo intelectual. As pessoas vão perdendo o fôlego para encarar textos mais longos, reflexões mais complexas ou conversas que exijam escuta ativa.
E isso atinge todas as idades, não apenas os jovens. O cérebro precisa de variedade, de silêncio, de reflexão. Mas quando tudo é projetado para manter você rolando sem parar, é natural que o pensamento crítico vá ficando para trás.
A polarização não é um acidente. É um modelo de negócio.
Outra palavra que marcou o ano foi “polarização”, destacada pelo dicionário Merriam-Webster como a palavra do ano de 2024. E não só no campo político. Estamos vivendo um processo em que opiniões e posicionamentos se tornam extremos, automáticos, previsíveis.
Se você já percebeu que dá para adivinhar todas as crenças de uma pessoa só por uma frase que ela publicou, isso é um sintoma. Quando todos os temas viram uma espécie de identidade tribal, o diálogo desaparece. Ninguém escuta, só reage.
Isso acontece porque os algoritmos não premiam a nuance. Eles premiam a raiva, o choque, a certeza absoluta. E aí vem a radicalização. Pessoas comuns passam a repetir discursos prontos. Famílias brigam por fake news. Opiniões viram rótulos. E a capacidade de discordar com respeito vai sumindo.
Enshittification: quando tudo vira ruído
A “merdificação” das plataformas, ou enshittification, termo escolhido pelo dicionário australiano Macquarie como uma das palavras marcantes de 2024, descreve um fenômeno que a maioria já sentiu, mesmo sem nomear. É o momento em que os serviços digitais começam a se degradar em busca de lucro.
Mais anúncios. Mais conteúdo sensacionalista. Mais clickbait. Menos valor real.
Tudo isso se conecta. Quanto mais polarização, mais engajamento. Quanto mais brain rot, mais tempo na tela. Quanto mais ruído, mais difícil é encontrar algo que realmente valha a pena.
A internet, que poderia ser um espaço de descoberta e expansão, virou um grande mercado de distrações. E no meio disso, é o senso crítico que paga o preço.
Ainda há saída?
A chegada da IA generativa trouxe um novo desafio. Agora, há mais conteúdo do que nunca, mas com ainda menos curadoria e compromisso com a verdade. É difícil competir com máquinas que geram textos em segundos, mas isso também pode abrir espaço para o que é único: a criatividade humana.
Conteúdos autênticos, com profundidade, opinião e intenção real, ainda têm valor. Mas exigem esforço. Exigem que a gente desacelere, nos tornemos menos ansiosos, questionemos e escolhemos o que consumimos. E que, se possível, também crie.
Eu, por exemplo, reduzi drasticamente meu tempo nas redes. Elas ocupam hoje menos de 2% da minha busca por conteúdo, por causa do trabalho. O resto vem de livros, boas conversas e tempo dedicado à reflexão. Ganhei mais energia, mais clareza e até mais bateria no celular.
O que podemos fazer a partir daqui?
As redes sociais, em sua forma atual, estão falhando. Mas isso não significa que não haja um caminho alternativo. A resposta talvez não seja sair completamente (apesar de eu ser adepta a essa ideia), mas reaprender a usar. Buscar fontes confiáveis. Criar sem depender de fórmulas. Apoiar quem faz diferente.
A tendência de produzir para agradar massas está ficando ultrapassada. O futuro parece mais promissor para quem cria com verdade e constrói comunidades em torno de ideias consistentes.
Se você sente esse incômodo, talvez já esteja pronto para essa mudança. E ela começa escolhendo o que consumir, e, se for o caso, o que publicar.
Faça isso com consciência e prazer. A internet precisa menos de mais conteúdo, e mais de conteúdo com propósito.
Imagem: IA do WordPress. Elas estão me fazendo ganhar tempo, mesmo não sendo uma maravilha.


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