Jonathan Haidt, autor do livro mais comentado do ano, A Geração Ansiosa, é psicólogo social e busca entender como o contexto cultural influencia nossa saúde mental. Em sua teoria, a partir de 2010, com a ascensão dos smartphones e a popularização das redes sociais baseadas em recompensas sociais, como curtidas e comentários, houve um aumento expressivo nos diagnósticos de ansiedade e depressão, especialmente entre crianças e adolescentes.
Em um mundo que parece girar cada vez mais rápido, onde todos vivem dizendo que não têm tempo para nada, uma pesquisa revelou que mais da metade (51.8%) das pessoas acessa as redes sociais por tédio. E 68% das pessoas acreditam que o tempo de tela afeta negativamente sua saúde mental. E dada as estimativas das pesquisas, o tempo de tela das pessoas tende a aumentar cada vez mais.
Alguns dados do livro A geração Ansiosa me chamaram a atenção: as meninas são as mais afetadas, esse movimento não se limita a um país específico, e atinge realidades com diferentes culturas, níveis de violência e condições econômicas, o que ajuda a descartar esses fatores como os principais causadores dessa mudança no comportamento que gera mais ansiedade.
A pesquisa de Haidt se baseia em dados de hospitais e em estudos que investigam como as pessoas percebem sua própria saúde mental. Um dos grupos mais impactados foi a geração Z, a primeira a crescer com a infância marcada por telas.
O Brasil se destaca como um dos países mais ansiosos do mundo e, curiosamente (ou não), também é um dos mais conectados, ficando atrás apenas de Gana e Filipinas. Esse fenômeno pode explicar diversos aspectos da nossa sociedade, e o livro de Haidt oferece uma chave para entender essas questões e romper ciclos de vício desde a infância.
Neste post vou fazer minha análise da leitura do livro A Geração Ansiosa, de Jonathan Haidt, adaptando as informações para o contexto do Brasil. Ao mesmo tempo, trouxe alguns conteúdos extras para que você possa se aprofundar no tema saúde mental e uso do smartphone.
Por que não era assim na época da TV?
É verdade que desde os anos 1950 já existiam telas, com o surgimento da televisão. Mas o tipo de entretenimento era muito diferente: limitado, com intervalos comerciais que não podiam ser pulados, e uma programação pensada para diferentes faixas etárias.
Isso fazia com que as crianças eventualmente perdessem o interesse e buscassem outra coisa para fazer. Frequentemente eu usava os intervalos comerciais para escovar os dentes, preparar um lanche ou ir ao banheiro. Porém, hoje, um único smartphone é capaz de entreter por 24 horas, sem pausas, sem limites, direto nas mãos de crianças e adolescentes.
Mas não se engane, a TV também foi alvo de muitas críticas a respeito da forma que afetavam o brincar livre de crianças, ou como interferiam em nossa inteligência (mal sabíamos que o mais grave estava por vir).
Quem é da geração Y vai lembrar que o canal MTV Brasil fazia algumas pausas na sua programação recomendando a leitura de um livro: “desligue a TV e vá ler um livro”. Veja no vídeo para relembrar ou conhecer a ação, que é até um pouco perturbadora:
Mesmo quando os primeiros computadores pessoais surgiram, normalmente havia apenas um por residência, compartilhado por toda a família. A internet discada limitava o tempo de acesso, e não havia privacidade: todos usavam o mesmo aparelho, cada um à sua maneira.
Quem viveu os anos 90 vai lembrar da recomendação de que o computador ficasse em um local onde os adultos conseguiriam monitorar o que os adolescentes estão fazendo online.
Com os smartphones, tudo mudou. A internet se tornou móvel, constante, individual. E isso impactou diretamente o ambiente escolar. Haidt destaca como o uso de smartphones nas escolas provocou uma transformação cultural: crianças e adolescentes passaram a relatar mais dificuldades em fazer amigos e estabelecer vínculos presenciais.
O excesso de telas não afeta apenas o desenvolvimento cerebral, também contribui para o isolamento social, um fator já muito estudado quando falamos de depressão, e, antes, era muito mais discutido levando em consideração a terceira idade.
A ansiedade não é porque estamos vivendo o pior momento da história?
Guerras, epidemias, crises econômicas… tudo isso sempre existiu. Mas, no passado, esses eventos chegavam até nós por meio da televisão, no horário específico da programação jornalística, ou jornal de papel, que era vendido sempre pelas manhãs.
As pessoas viam ou liam, se preocupavam, mas aquilo não as afetava diretamente. Hoje, com o acesso constante às redes sociais, é muito mais fácil absorver a emoção dos outros, principalmente por meio dos comentários de outros usuários.
Uma tragédia do outro lado do mundo pode virar um peso emocional pessoal, como se fosse nossa. Essa hiperexposição às informações e notícias acaba transformando questões sociais em fardos mentais individuais.
Outro ponto interessante é a mudança na maneira como lidamos com o ativismo. Pesquisas mostram que, antes, causas políticas, sociais ou ambientais eram fontes de motivação e pertencimento. Hoje, muitas vezes, se tornam fonte de desgaste emocional. Talvez porque, nas redes, somos forçados a lidar com ideias opostas o tempo todo, enfrentando conflitos diretos fora das nossas bolhas.
No livro A Geração Ansiosa, Jonathan Haidt também mostra pesquisas que analisam o comportamento de jovens que passaram por experiências de guerra. E, curiosamente, muitos desses jovens apresentam sinais de fortalecimento emocional e união em torno de um objetivo comum. Um contraste enorme com o ambiente online atual, que mais separa e isola do que aproxima.

Isso me fez lembrar do livro Factfulness, em que o autor defende uma visão de mundo baseada em dados concretos, não em percepções distorcidas pela mídia ou por crenças populares.
Ele mostra, por exemplo, que estamos vivendo o melhor momento da história em termos de saúde global: a taxa de mortalidade infantil é a menor já registrada, proporcionalmente ao número de nascimentos. Isso significa, por exemplo, que mais pessoas estão tendo acesso a informação, vacinas, alimentação e saneamento básico. Será que estamos mesmo vivendo o pior momento?
Infância baseada no brincar livre X infância baseada em telas
Assim como outros mamíferos, os seres humanos também passam por um período essencial de aprendizagem na infância. Sabe quando a gente vê dois filhotes de leão brincando de se atracar? Aquilo não é só diversão é treino para a vida adulta.
Com a gente, funciona de forma parecida. Quando uma criança cresce com poucas oportunidades de interação social presencial, ela pode deixar de desenvolver habilidades fundamentais.
É nas brincadeiras, principalmente aquelas sem a mediação constante de um adulto, que a criança começa a perceber emoções nos gestos, aprende o que pode ou não fazer para evitar se machucar, entende sobre negociar, dividir, respeitar limites… são essas vivências que ajudam a construir a base emocional e social que a gente carrega para a vida adulta.
Agora pensa num adulto que trava numa entrevista de emprego, que tem dificuldade de negociar um salário ou até mesmo de pedir uma informação simples para um desconhecido na rua. Muitas vezes, isso é reflexo de uma infância pobre em experiências reais.
Segundo o pesquisador Jonathan Haidt, esse empobrecimento vem justamente do excesso de tempo no digital, onde não há corpo, o que ele chama de interação não corporificada.
Haidt levanta ainda um ponto que já vem sendo debatido há algum tempo: o excesso de proteção na infância pode gerar adultos ansiosos. Quando a criança não tem espaço para lidar com frustrações, errar, se virar um pouco sozinha, ela não aprende a lidar com a realidade como ela é. O resultado são adultos mais frágeis emocionalmente, que sofrem diante dos desafios cotidianos.
Um exemplo que ele usa no livro, e que eu acho superdidático, e se encaixa perfeitamente nessa explicação, é o dos cachorros.
Hoje em dia a gente já entende que passear e socializar são fundamentais para o bem-estar dos cães. Um cachorro que vive isolado, sem passeios nem contato com outros cães, tende a ficar mais ansioso, agressivo, reativo (o que o autor chama no contexto humano de modo de defesa).
Nesse contexto, o animal não aprendeu a observar, interpretar e conviver. Agora, um cão sociável, que passeia e explora, desenvolve essa “leitura corporal” dos outros cães (o que no contexto humano seria o modo descoberta). Ele aprende, na prática, com o corpo e com o outro. O mesmo vale para nós. Só que, no nosso caso, essa leitura corporal não é possível no ambiente virtual, e ainda assim ela é essencial para viver bem em sociedade.

Já percebeu como muitas pessoas estão mais no modo reativo do que no modo descoberta, sobretudo no ambiente online?
O autor fica bastante intrigado, pois muita gente que sente orgulho de ter tido uma “infância raiz” é a mesma que, por medo ou excesso de cuidado, deu aos filhos uma “infância Nutella”. Isso, sendo que estatisticamente as crianças de hoje estão mais seguras para brincar do que as de décadas atrás, em vários contextos culturais.
Haidt também fala sobre como esse medo constante que paira sobre os pais surgiu junto com os noticiários locais na TV a cabo, que passaram a transmitir tragédias em loop, 24 horas por dia.
Com a chegada das redes sociais e portais de notícias caça-cliques, isso só piorou. Vivemos expostos a uma enxurrada de conteúdos negativos, o que gera uma sensação de que o mundo está um caos sem precedentes, quando, na verdade, estamos vivendo o melhor momento da história em termos de saúde, educação, tecnologia e acesso à informação.
No fim das contas, tudo isso me lembra que essa geração é uma das que carrega um maior sentimento nostálgico. Sempre falando do passado como um tempo e espaço melhor, onde se sentiam mais livres e calmos, somado a uma visão de futuro catastrófica, de que as circunstâncias vão tender a sempre piorar para a sobrevivência humana.
Essa é uma combinação que alimenta ainda mais a ansiedade e a depressão. E adivinha onde esse sentimento é mais espalhado? Exatamente: nas redes sociais.
A fase crítica do aprendizado
Uma informação super relevante trazida no livro A Geração Ansiosa é sobre o ritmo acelerado do desenvolvimento das crianças, especialmente até os 12 anos de idade. Durante a puberdade, esse processo se intensifica, porque o cérebro do pré-adolescente começa a buscar referências de comportamento para entender como agir em sociedade. É uma fase em que a influência do ambiente é enorme.
E aí entra a grande polêmica: a idade mínima de 13 anos para uso das redes sociais. Segundo o autor Jonathan Haidt, permitir que uma criança nessa fase comece a usar essas plataformas é como mandá-la viver em Marte. A gente simplesmente não tem como prever todas as consequências, mas já sabemos que os riscos são altos.
Um dos pontos mais delicados é o fato de que, hoje, muitos adolescentes estão buscando influenciadores digitais como modelo de vida. Isso tem raiz num mecanismo psicológico bem primitivo, e muito bem explorado pelas big techs: o prestígio social.
Quando alguém tem muitos seguidores, curtidas e comentários, isso automaticamente gera a percepção de que aquela pessoa é confiável, interessante, uma referência a ser seguida. Só que nem sempre é verdade. Muitas vezes, o influenciador só domina a linguagem da plataforma, mas não tem absolutamente nada de positivo ou construtivo a oferecer. Mesmo assim, pode acabar moldando a forma de pensar, agir e se enxergar de uma criança, justo no momento mais sensível da formação de identidade.
E nem precisamos ir muito longe para ver os impactos disso, né? Basta lembrar dos inúmeros desafios perigosos que viralizaram em redes como o TikTok. Casos reais, que muita gente conhece de perto.
Além disso, os jovens sofrem com o fator da pressão social.
Mesmo adolescentes que não querem estar nas redes acabam se sentindo obrigados a participar para não se sentirem excluídos. E se até adultos, muitas vezes, têm dificuldade de lidar com esse ambiente, imagine uma criança ou um adolescente, cujo cérebro ainda está em formação (e vai se desenvolver por completo só por volta dos 25 anos).
É muita responsabilidade para pouca maturidade, e pouca regulação emocional.
Os 4 prejuízos fundamentais do uso excessivo de telas segundo o livro A geração ansiosa
O problema do uso de telas não está apenas no conteúdo das redes sociais, mas também no que deixamos de viver quando estamos hiperconectados. Nesta parte do livro, o autor destaca os quatro principais prejuízos do uso excessivo de telas: privação social, privação de sono, atenção fragmentada e vício.
Um ponto interessante que ele traz é que o tempo de tela varia entre diferentes grupos sociais, sendo mais elevado entre famílias de baixa renda, negras, latinas e entre jovens LGBTQ+. Isso nos mostra que o problema não é homogêneo e que há vulnerabilidades específicas que precisam ser consideradas.
Jean Twenge, pesquisadora referência no tema, demonstrou que adolescentes que passam mais tempo nas redes têm maior chance de desenvolver depressão, ansiedade e outros transtornos. Em contrapartida, aqueles que se envolvem com atividades sociais, como esportes ou participação em comunidades religiosas, apresentam indicadores de saúde mental mais positivos.
Mas não são apenas as crianças que estão sendo impactadas. Uma pesquisa citada no livro, conduzida pela revista Highlights, perguntou a crianças entre 6 e 12 anos com que frequência os pais estavam distraídos com telas ao conversar com elas. O resultado é chocante: 62% responderam que isso acontece com frequência, mostrando que pode ser difícil socializar até mesmo dentro de casa, inclusive com irmãos mais velhos:

É impossível exigir hábitos saudáveis de uma criança quando os próprios adultos estão presos nas mesmas armadilhas.
O outro fator, a privação de sono, tem um impacto direto na memória, na concentração, na tomada de decisões e até nas habilidades motoras. Ainda assim, muitos adolescentes têm trocado horas de descanso por tempo online.
O uso do smartphone antes de dormir fragmenta o sono e a luz azul emitida pelas telas atrapalha o relógio biológico, confundindo o cérebro sobre o que é dia ou noite. Ou seja, uma pessoa que não usa o celular à noite dorme melhor do que outra que passa alguns minutos rolando o feed antes de fechar os olhos.
Chegamos então à atenção fragmentada. A ideia de que conseguimos realizar multitarefas com qualidade é um mito. A atenção humana é limitada e o smartphone colabora ativamente para essa fragmentação, especialmente entre os jovens.
Jonathan Haidt nos traz um exemplo de uma das pesquisas realizadas que mostra que às vezes nem é preciso uma notificação para nos tirar do foco: basta postar uma foto e, na sequência, tentar estudar.
O pensamento de “será que alguém curtiu?” já começa a rondar a mente, gerando ansiedade. A curiosidade se transforma em impulso e, em poucos segundos, a pessoa checa o celular e, se não houver nenhuma “recompensa”, talvez role o feed ou mande uma mensagem, buscando algum tipo de retorno.
Pesquisas mostram que a simples presença do celular já reduz nossa capacidade cognitiva disponível.
O poder psicológico das redes sociais é engenhosamente arquitetado pelas empresas de tecnologia. Elas são rápidas em se adaptar aos novos comportamentos justamente porque o negócio depende disso.
O que antes era uma rede relacional, um lugar para compartilhar momentos com amigos, se transformou numa grande vitrine de entretenimento. Os criadores de conteúdo se tornaram os protagonistas, e o público passou de participante a espectador.
O último prejuízo é o vício. E se alguém ainda duvida que as redes sociais são projetadas para viciar, vale conhecer os documentos vazados do Facebook. Em 2021, a ex-funcionária Frances Haugen denunciou a empresa ao Senado dos EUA.
Entre os documentos, havia apresentações internas mostrando como a plataforma explora as emoções e vulnerabilidades dos adolescentes para mantê-los engajados.
Os materiais incluíam estudos de neurociência e imagens de ressonância magnética, explicando como o córtex pré-frontal, responsável pelo autocontrole, ainda está em formação na adolescência.

O objetivo dessas apresentações não era proteger os jovens, mas ensinar os funcionários a mantê-los ativos por mais tempo na plataforma. Uma das estratégias utilizadas é o fornecimento contínuo de conteúdos relacionados ao perfil emocional do usuário.
Por que meninas são mais afetadas segundo o livro A geração ansiosa
O vício em redes sociais não é apenas um problema individual, é uma transformação social. Muitos adolescentes se sentem pressionados a manter uma presença online porque “todo mundo está lá”. A comparação é um traço humano, mas, para as meninas, ela costuma ser mais cruel.
Culturalmente, elas são incentivadas ao perfeccionismo, e redes visuais como Instagram ou TikTok intensificam essa pressão. Enquanto os meninos tendem a consumir mais conteúdo em fóruns como Reddit, as meninas estão imersas em ambientes onde aparência e comportamento estão sempre sob julgamento.
Ao meu ver, no passado, as garotas já se comparavam com modelos nas revistas, mas havia uma distância, não competiam com elas na vida real. Hoje, a comparação é direta: com a colega da escola ou com influenciadoras que são garotas como elas, mas que parecem celebridades graças a filtros que afinam o nariz, aumentam os olhos e alisam a pele.
Isso contribui para a criação de um ideal de beleza inatingível, alimentando distúrbios de imagem e transtornos alimentares. Esse cenário é ainda mais agravado pela atuação de marcas e influenciadores que promovem cosméticos, produtos e soluções milagrosas para pele e corpo, voltadas especialmente para garotas.
Estamos vendo um número crescente de jovens na casa dos 20 anos recorrendo a Botox e preenchimentos para tentar replicar, na vida real, os traços irreais dos filtros do Instagram, um reflexo preocupante dos padrões distorcidos impostos pelas redes sociais.
Como contraponto a essa tendência, a L’Oréal lançou uma campanha intitulada Kids Should Be Kids (“Crianças devem ser crianças”), reforçando que seus produtos são destinados ao público adulto. A ação destacou a importância de preservar a infância e alertou sobre como as rotinas de beleza divulgadas nas redes sociais não são apropriadas para crianças tão pequenas. Vale conferir.
Confirmando tudo isso, o autor do livro A Geração Ansiosa apresenta uma pesquisa que mostra como a autoestima das adolescentes vinha estável, mas sofreu uma queda acentuada após a popularização dos filtros em 2015, e cita um exemplo.
Uma garota de 11 anos mentiu a idade para criar uma conta no Instagram. A princípio, seria só uma experiência. Mas ela foi capturada pela lógica viciante da rede. Com o tempo, os pais notaram mudanças comportamentais. Em um desenho, ela se retratava sozinha no canto do quarto, cercada por palavras negativas.
Ao cair em um loop infinito de conteúdos sobre emagrecimento, a menina desenvolveu transtornos alimentares. A família processou a Meta por permitir que uma criança tão nova tivesse acesso à plataforma sem nenhuma verificação.
E aqui está a grande questão: as meninas são mais afetadas porque estão mais ligadas à comparação visual. O elogio (ou a crítica) à aparência tem um peso maior, e o ambiente das redes amplifica isso. Elas também são mais cobradas socialmente para parecerem perfeitas, o que o autor chama de “perfeccionismo socialmente prescrito”: o medo constante de errar, ser julgada ou cancelada.
Meninas também costumam compartilhar suas emoções com mais abertura, o que as torna mais vulneráveis a ataques pessoais e tentativas de destruir sua reputação.
Outro agravante para a saúde mental delas é que as mulheres são muito mais perseguidas na internet, especialmente por predadores sexuais, ou garotos que querem expor a sexualidades delas online “por diversão”.
Adolescentes do sexo feminino que são usuárias assíduas de redes sociais têm até três vezes mais chances de sofrer depressão do que aquelas que usam pouco ou nada. Estudos mostram que, ao reduzir ou eliminar o uso das redes por três semanas, a saúde mental melhora de forma significativa.
As meninas também estão mais suscetíveis aos chamados transtornos sociogênicos, aqueles causados por influência social, e não por fatores biológicos, posso me aprofundar sobre isso em outro post.
Nessa parte do livro, o autor também traz uma hipótese de correlação reversa: a depressão pode levar ao uso excessivo das redes, e não o contrário.
Ou ainda podem haver outras variáveis: como genética, solidão ou uma criação permissiva, que favoreça os dois comportamentos (uso excessivo e depressão). O ponto é que, quando há uma predisposição, as redes funcionam como um gatilho poderoso para agravar o quadro.
Como o excesso de telas afeta os meninos segundo o livro A geração ansiosa
Os meninos costumam ter interesses diferentes das meninas no ambiente digital. Enquanto elas tendem a preferir redes sociais visuais, como Instagram e TikTok, eles se concentram mais em jogos, pornografia e fóruns de texto, como o Reddit.
Esses padrões de uso distintos fazem com que o impacto das telas sobre eles também seja diferente, exigindo abordagens específicas.
Nesse contexto, Jon Haidt destaca três fatores principais que afetam os meninos na era digital:
- uma economia que não valoriza mais a força física;
- um sistema educacional que recompensa a capacidade de escuta, concentração e comportamento passivo;
- a crise de referências masculinas, com a ausência crescente de modelos positivos, incluindo a figura paterna.
Além disso, os meninos foram especialmente afetados pelo movimento de superproteção iniciado nas décadas de 1980 e 1990.
As brincadeiras entre eles geralmente envolvem mais riscos e competitividade, e com a limitação de espaços para essas trocas, muitos passaram a buscar essas experiências nos jogos digitais.
No entanto, a ausência de riscos reais torna esses desafios virtuais menos significativos. O jogo online, por mais envolvente que seja, acaba se tornando mais uma ferramenta de evasão e isolamento social.
Essa realidade contribui para o surgimento de um perfil mais frágil, temeroso e avesso aos desafios concretos do mundo físico.
Muitos desses jovens acabam prolongando sua permanência na casa dos pais e adiando a entrada na vida adulta. É nesse cenário que surgem os chamados “nem-nem” (jovens que nem estudam, nem trabalham).
O termo foi cunhado por economistas no Reino Unido e refere-se a jovens, entre 18 e 24 anos, que não estão inseridos em nenhuma atividade produtiva ou educacional.
Quando se excluem as mulheres que dedicam o tempo à criação dos filhos, os números dos nem-nem referem-se majoritariamente ao público masculino.

O principal problema ocorre quando os jogos, fóruns e a pornografia passam a substituir a convivência real.
A falta de interações sociais presenciais prejudica o desenvolvimento da empatia, a capacidade de dialogar e até mesmo de se envolver em relacionamentos afetivos.
O fenômeno dos hikikomori (jovens japoneses que vivem reclusos em seus quartos) é um exemplo extremo, mas cada vez mais presente em outras culturas.
Apesar de conseguirem satisfazer parcialmente suas necessidades de autonomia e conexão por meio da internet, essa forma de interação é insuficiente para o desenvolvimento saudável do cérebro humano.
O acesso constante a prazeres imediatos, como os sites pornográficos, reduz a capacidade desses jovens de buscar vínculos mais profundos e duradouros, como sexo, amor, intimidade e casamento no mundo real.
O tempo gasto em reclusão digital poderia ser investido em relações reais com familiares e amigos. Quando percebem isso, muitos já se veem distantes demais da vida que poderiam ter construído. A interação digital, por mais envolvente que seja, não substitui a experiência humana da convivência.
Curiosamente, os jogadores casuais (aqueles que equilibram o tempo online com a vida offline) parecem colher mais benefícios dos jogos do que os usuários mais intensos.
As regras, os rituais e seu papel na sociedade
Um dos pontos que mais me chamou atenção no livro foi a ideia de que o acesso irrestrito, gratuito e constante a qualquer tipo de conteúdo é, na verdade, prejudicial à saúde mental, e esse é justamente o ambiente promovido pela internet.
O sociólogo Émile Durkheim, em sua obra sobre as causas sociais do suicídio, concluiu que quanto mais o indivíduo está conectado a uma autoridade moral (seja ela religiosa, familiar ou comunitária), menores são as chances de ele atentar contra a própria vida.
A partir disso, Durkheim observou que o enfraquecimento das religiões tradicionais, acelerado pelas transformações rápidas e desorientadoras da modernidade, promove um estado de anomia (ou seja, a ausência de normas sociais claras).
Quando a ordem social se enfraquece ou se dissolve, não nos sentimos mais livres, mas sim perdidos, inseguros e ansiosos.
Na internet, há total liberdade de acesso. Mesmo com classificações etárias em alguns sites, elas são facilmente burladas. Isso elimina praticamente qualquer tipo de restrição ou orientação.
Além disso, o ambiente digital carece de rituais de passagem, que são marcos importantes para dar sentido ao tempo e às fases da vida, algo que sempre esteve presente em comunidades sociais ao longo da história.
Na vida fora das telas, os rituais nos ajudam a construir identidade e pertencimento: a festa de 15 anos para marcar a adolescência, a carteira de motorista aos 18, a formatura, as festas de família.
No catolicismo, existem ritos que marcam diferentes fases da vida, como a catequese, entre os 7 e 9 anos, a crisma, entre os 13 e 16 anos, e o casamento, que celebra a união de um casal. Esses momentos funcionam como marcos simbólicos e espirituais de passagem ao longo da jornada pessoal e comunitária do indivíduo.
Na internet, porém, não há protocolos dominantes, marcos, nem transições simbólicas. Tudo flui num ritmo incessante, sem pausas, sem limites. É de forma atemporal.
Não há desafios que gerem amadurecimento. Muitas vezes, ficamos tão imersos nas telas que esquecemos do corpo, nos sentamos de forma desconfortável por horas sem perceber, presos à realidade virtual.
Segundo Jonathan Haidt, outro ponto é que enquanto as tradições espirituais nos ensinam a não julgar, perdoar, desapegar do material e cultivar a generosidade, a internet (especialmente as redes sociais) se tornou palco de exatamente o oposto: julgamento constante, consumo desenfreado e exibição.
Em vez de compaixão, vemos linchamentos públicos. Discordar virou sinônimo de traição, não há espaço para nuance, apenas para a polarização.
Diante disso, podemos (e devemos) resgatar rituais no cotidiano, principalmente dentro de casa.
O livro Celular: como dar um tempo sugere, por exemplo, instituir um dia da semana sem tecnologia. Outras ideias são celebrar feriados com presença real, fazer refeições em família ou criar momentos especiais que envolvam conexão e pausa.
Uma sugestão de Haidt é o chamado banho de floresta (shinrin-yoku), uma prática que surgiu no Japão nos anos 1980 como resposta ao estresse urbano e à crescente desconexão com a natureza.
Trata-se de caminhar lentamente e de forma consciente por ambientes naturais (florestas, parques, trilhas etc) absorvendo sons, cheiros, luzes e texturas, sem pressa, sem distrações. A proposta é simples: estar presente.
Embora Jonathan Haidt não cite diretamente o shinrin-yoku ele apresenta ideias semelhantes sem mencionar a prática japonesa, que inclusive já é recomendada por médicos do Japão.
Haidt reforça que os seres humanos são biofílicos, ou seja, possuem uma necessidade inata de se conectar com outras formas de vida. É por isso que uma caminhada na natureza tem o poder de acalmar, restaurar e preencher um vazio existencial que a sociedade contemporânea, hiperconectada e desorganizada, muitas vezes acentua.
Se não ocupamos esse vazio com experiências significativas e saudáveis, corremos o risco de preenchê-lo com ruídos, com distrações que nos afastam de nós mesmos, dos outros e da vida real.
Leis e regras para uso da internet segundo o livro A Geração Ansiosa
Nesta parte do livro, o autor discute a dificuldade de impor restrições eficazes para que as empresas de mídia social protejam as crianças. Ele levanta alguns pontos importantes:
- se, por exemplo, o Instagram adotasse regras mais rígidas de acesso, provavelmente perderia usuários jovens para concorrentes menos restritivos. Essa perda seria estratégica: crianças e adolescentes formam hábitos que tendem a se manter na vida adulta. É por isso que a publicidade é tão focada nas gerações mais jovens. Já falei sobre isso em outro post.
- deixar essa regulamentação apenas nas mãos do governo também não é o ideal, pois pode abrir espaço para censura;
- exigir documento pessoal para acesso às redes é problemático: além do risco de vazamentos, já que essas plataformas são frequentemente alvo de ataques, esse tipo de exigência poderia reprimir o acesso a maiores de idade a sites com conteúdo adulto, por considerarem um constrangimento e invasão de privacidade.
Entre as soluções apresentadas pelo autor estão:
- desenvolvimento de tokens de verificação por empresas de segurança de dados, que garantiriam o anonimato do usuário (as redes sociais não teriam acesso aos dados pessoais, apenas à informação criptografada da idade);
- criação de um controle parental mais eficaz diretamente no sistema operacional dos dispositivos. Dessa forma, os pais poderiam indicar que aquele aparelho pertence a uma criança e, assim, o conteúdo seria automaticamente filtrado.
Uma das sugestões do autor é elevar a idade mínima para uso das redes sociais para 16 anos.
Ainda que não seja uma solução perfeita, já resolveria parte considerável dos problemas atuais. Hoje, a idade mínima permitida é 13 anos. Mais da metade das crianças entre 10 e 13 anos já possuem um smartphone e as empresas de publicidade já estão de olho nisso.
Como nota minha, vale lembrar que, na época do Orkut, a idade mínima era de 18 anos. Eu mesma já era maior de idade quando comecei a usar a plataforma, e entendia os motivos da classificação, pois era possível acessar de tudo por lá e não havia restrição de comunicação, o que abria espaço para assediadores.
O autor também observa que, quando mudanças legais são exigidas em algum país, as plataformas costumam reagir de duas formas: se o país não é considerado estratégico, elas simplesmente deixam de operar por lá, se for relevante, aplicam a mudança globalmente.

Você não é cliente da rede social, você é o produto
Em 2017, Sean Parker, o primeiro presidente do Facebook, fez uma declaração reveladora em uma entrevista:
“Como consumir o máximo possível de seu tempo e de sua atenção consciente?”
Ele se referia ao pensamento por trás da criação do Facebook e de outras plataformas digitais nos anos 2000. A lógica era clara: manter o usuário o maior tempo possível diante da tela, consumindo, curtindo, comentando, criando… e, principalmente, vendo anúncios.
Tudo é cuidadosamente programado para oferecer pequenas doses de dopamina em intervalos estratégicos, garantindo que você continue voltando. Esse ciclo de recompensas mantém os usuários engajados, e é justamente isso que torna o modelo de negócio tão lucrativo.
A verdade é que os verdadeiros clientes das redes sociais não são os usuários, mas sim as empresas que pagam para anunciar. Elas financiam o sistema e colhem os resultados de um público constantemente estimulado.
Para manter essa engrenagem girando, as plataformas investem pesadamente em design e experiência do usuário, não para melhorar sua vida, mas para maximizar o tempo que você passa ali dentro.
Quando se discute a regulação das redes sociais, é nesse ponto que o foco deveria estar: coibir funcionalidades que exploram vulnerabilidades psicológicas humanas, alimentando comportamentos compulsivos e até viciantes.
No fundo, as redes sociais operam como máquinas caça-níqueis digitais. Cada rolagem, notificação ou curtida é mais uma tentativa do usuário de conseguir uma nova dose de satisfação e prazer.
Como as escolas podem agir segundo o livro A Geração Ansiosa
O autor utiliza uma expressão polinésia para ilustrar a abordagem atual das instituições diante da crise de saúde mental:
“Sobre uma baleia, pescando peixinhos.”
A metáfora aponta para o desequilíbrio entre esforço e resultado, um retrato fiel do que acontece, não apenas nas escolas, mas também em empresas: grandes iniciativas são colocadas em prática, mas os fundamentos mais simples e eficazes acabam sendo ignorados.
No contexto escolar, o autor cita exemplos como a contratação de psicólogos, a inclusão de aulas sobre saúde mental e até a criação de dias especiais para discutir temas importantes. Embora bem-intencionadas, essas ações não substituem mudanças básicas, amplamente respaldadas pela ciência.
Entre elas, duas se destacam: a ampliação do tempo dedicado ao brincar livre e a restrição ao uso de celulares no ambiente escolar. Essas medidas, segundo o autor, são mais eficazes na promoção do bem-estar e no enfrentamento da ansiedade infantil, e seus resultados são observados de forma muito mais concreta, como o livro exemplifica:

Os resultados dessas mudanças são rápidos, de baixo custo e simples de aplicar, e os efeitos positivos se tornam visíveis em pouco tempo.
A UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) publicou um relatório que chama atenção para os efeitos adversos das tecnologias digitais (especialmente dos celulares) no ambiente educacional.
Embora o documento reconheça os benefícios da internet para o ensino a distância e em regiões de difícil acesso, ele destaca algo surpreendente: há poucas evidências de que o uso de tecnologias digitais melhore a aprendizagem em sala de aula. Pelo contrário, o relatório associa o uso dos dispositivos a um menor desempenho escolar e maior distração em sala. Por isso, o autor Jonathan Haidt afirma que proibir o uso de celulares nas escolas é o primeiro passo fundamental.
Já comentei em outros textos sobre o sucesso das escolas Waldorf, que evitam o uso de tecnologia, localizadas no coração do Vale do Silício.
A ironia é evidente: enquanto essas instituições formam filhos de executivos das gigantes da tecnologia em ambientes offline e livres de pressão digital, suas empresas desenvolvem plataformas para manter outras crianças o máximo de tempo conectadas.
Mais alarmante ainda é o fato de que crianças de baixa renda tendem a passar mais tempo em frente às telas, o que as torna ainda mais vulneráveis aos impactos negativos (cognitivos, emocionais e sociais) desse consumo excessivo.
As consequências das telas não se limitam à infância.
No mundo adulto, vemos cada vez mais pessoas, sobretudo mulheres, buscando soluções em medicamentos para dormir, cafés potentes para despertar, estimulantes para aumentar a produtividade, bebidas alcóolicas para fugir da realidade, tudo isso enquanto ignoram um dos maiores vilões do esgotamento mental contemporâneo: o uso desenfreado do smartphone, especialmente das redes sociais, e o desejo de estar sempre ativo, conectado e informado.
Eliminar esse gatilho pode significar mais tempo livre, mais energia, mais foco e melhor qualidade de sono. A ciência confirma esses benefícios, e quem já tomou a decisão de reduzir o uso de telas sabe o impacto positivo que isso tem na vida.
Sim, é difícil, especialmente diante da forte pressão social. Mas justamente por isso, essa mudança é também um ato de resistência, um gesto de autocuidado que só contribui para a saúde mental. E, como toda mudança significativa, ela se fortalece em comunidade.
Pais que compreendem a importância de uma infância baseada no brincar livre, e não em telas, precisam se unir e criar ambientes que favoreçam essa experiência. Juntos é possível resistir à cultura do vício digital.
Diversas pesquisas já demonstraram que o tempo em ambientes naturais é altamente benéfico para o desenvolvimento emocional, cognitivo e social das crianças. Isso se torna ainda mais urgente num cenário em que os jovens vivem cada vez mais imersos no mundo virtual e, ao mesmo tempo, demonstram níveis crescentes de ansiedade.
Uma revisão de estudos sobre os chamados parquinhos naturais concluiu que oferecer às crianças oportunidades de se conectar com a natureza, especialmente em contextos educacionais, pode promover melhorias significativas em sua função cognitiva.
O que os pais devem fazer, segundo o livro A Geração Ansiosa
O livro A Geração Ansiosa traz recomendações importantes para pais que desejam proteger seus filhos dos impactos negativos do mundo digital. Uma das principais orientações é oferecer mais espaços seguros para o brincar livre e observar o próprio uso do celular, já que os pais acabam servindo de exemplo para os filhos.
Grande parte do conteúdo consumido por crianças e adultos nos smartphones está relacionado ao entretenimento. Por isso, buscar alternativas fora das telas é um passo essencial para transformar essa dinâmica.
Entre as sugestões práticas, estão:
- estabelecer limites claros de tempo e espaço para o uso de telas (por exemplo, evitar o uso no quarto);
- criar rituais e rotinas em família que fortaleçam os vínculos;
- estimular o envolvimento com comunidades locais, em vez de depender apenas das conexões virtuais;
- incentivar as crianças a vivenciarem o mundo real, o que contribui para reduzir sintomas como ansiedade, solidão e sensação de vazio.
Ao final do livro (ou no site oficial do autor), é possível acessar todas as pesquisas que embasam o conteúdo, caso queira se aprofundar ou confirmar os estudos.
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Como este texto ficou mais longo, estou disponibilizando um botão para você imprimir e ler com calma, longe das distrações das telas.
O material pode ser utilizado de forma didática, desde que referencie a autora e o blog de origem: isabellatorres.blog
Imagem: Pexels


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