Resenha crítica: Marketing 6.0, de Philip Kotler

Sempre baixo a amostra de um livro no Kindle antes de decidir se vale a pena pagar para seguir com a leitura. No caso de Marketing 6.0, de Philip Kotler, fiz uma aposta no conteúdo. Já conhecia o autor desde a faculdade e, apesar de ter me decepcionado com a amostra, resolvi dar um voto de confiança levando em conta sua experiência.

Se fosse de outro autor, provavelmente teria desistido logo de cara, pois o início está muito focado na geração Z e no metaverso. Embora esses temas estejam em alta em algumas bolhas, marketing em 2025 não se resume a isso. No entanto, com um olhar crítico, segui a leitura e não me decepcionei.

Para mim, foi bem difícil selecionar as principais ideias do livro e transformar neste texto, pois não gostaria de trazer um conteúdo raso, mas ao mesmo tempo não pretendia fazer um texto muito extenso. Portanto, coloquei o foco em ferramentas mais palpáveis para o público em geral.

A obsessão pelo jovem consumidor no livro

O livro discute marketing para as novas gerações. Já comentei antes sobre como as empresas são obcecadas pelo público jovem, um grupo mais vulnerável ao marketing e com forte desejo de pertencer a tendências e comunidades.

Alguns comportamentos citados no livro são característicos do nosso tempo, e não apenas de uma geração específica. Outros, como metaverso, me parecem distantes da realidade dos boomers e da maioria dos millennials. Quero reler este texto no futuro para ver se essa previsão se confirma.

Atualmente, o metaverso é praticamente exclusivo das gerações mais jovens, especialmente em jogos como Roblox e Fortnite. Um adulto comum, com trabalho, filhos e casa para cuidar, dificilmente frequenta esses espaços. Nesse sentido, posso estar enganada, mas o livro segmenta bem o tema para marcas que querem dialogar com a geração Z e Alpha.

Um texto com toque de IA

O conteúdo me pareceu escrito pelo ChatGPT: um excesso de adjetivos desnecessários, como “estratégia poderosa” e “crucial” em tudo. Mas não podemos julgar, eu mesma já moldei meus textos humanos para não se parecerem com textos criados por IA, risos.

Porém, o tom impessoal e algumas afirmações questionáveis dificultaram minha leitura no início. Talvez por discordar de algumas colocações ou delas não se encaixarem na realidade do varejo brasileiro.

Outro ponto que me incomodou foi ter a perspectiva de que o livro foi escrito em 2021, quando o metaverso estava em alta devido à pandemia, potencializado pelo surto do Mark Zuckerberg, que inclusive trocou o nome da sua empresa para Meta na época.

Desde então, todo ano ouvimos que “este será o ano do metaverso, da realidade aumentada e da realidade virtual no varejo”, mas essas tecnologias ainda são pouco acessíveis para o varejista comum e estão entrando aos poucos no mercado de marketing.

A nostalgia como estratégia de marketing

Os autores, Kotler, Kartajaya e Setiawan, afirmam que, nos últimos anos, o marketing privilegiou a geração Y por seu maior poder aquisitivo. Senti falta de uma pesquisa que confirmasse isso.

Na minha perspectiva, a publicidade sempre priorizou os mais jovens, porque os mais adultos já consolidaram suas preferências de marca e tendem a fazer escolhas mais racionais e pragmáticas, isso explica porque as gerações Z e Alpha são a bola da vez e antes era a gen Y.

Porém, para atingir os dois públicos, muitas empresas tem praticado o marketing da nostalgia, com o retorno de produtos antigos que foram descontinuados, ou com itens novos que remetem ao passado de alguma forma.

Com isso, chamam a atenção da geração Y, mas também da Z e Alpha, que possuem uma tendência de atração por itens retrô.

O retorno de marcas como o chocolate Surpresa, cosméticos com cheiros característicos da infância, como Bubbaloo ou 7 Belo geram muitos comentários na mídia e resgatam a memória de consumidores.

Minha mãe, por exemplo, sempre chamou absorventes de Modess. Era o nome que ela usava, independente da marca. Quando a Modess voltou ao mercado, não resisti e comprei, mais pela memória afetiva do que por qualquer outro motivo. Afinal, achei interessante experimentar “o original”.

Para minha geração, o Sempre Livre foi o grande nome. Ele chegou nos anos 80 trazendo a ideia de liberdade, primeiro garantindo mais segurança contra vazamentos e, nos anos 2000, evoluindo para um formato mais anatômico, com a versão Adapt.

Os comerciais de TV eram icônicos, sempre abordando problemas reais das mulheres. Enquanto isso, marcas mais antigas perderam espaço e a Modess, por exemplo, acabou saindo de linha. Aliás, olha esse comercial do Sempre Livre — digno de Oscar:

Hoje, o mercado mudou, e as marcas precisam se reinventar para acompanhar o público. No mundo dos absorventes, acredito que a grande aposta está na sustentabilidade, com coletores menstruais e opções reutilizáveis. O conforto e a adaptação ao corpo já não são diferenciais quando a geração Y entrava no mercado de consumo.

E quando uma marca não acompanha a evolução cultural, o risco de ficar para trás é grande. Ainda que as gerações mais jovens sejam mais abertas a testar novidades, essa mudança de comportamento já se expandiu.

Hoje, mulheres de 18 a 45 anos usam coletores menstruais, e ignorar parte desse público pode ser um erro. Sem contar que as mães influenciam diretamente as escolhas das filhas.

Marketing 6.0: a imersão presencial e digital

A base do marketing 6.0 é a imersão, por isso o excesso de foco na gen Z e metaverso, porém, o livro também fala sobre alguns conceitos que reforçam práticas de marketing que já funcionam há tempos.

O marketing multissensorial, por exemplo, é uma estratégia consagrada, que retoma neste momento. Isso explica por que lojas adotam cheiros característicos ou sons ambientes, que podem estimular diretamente o comportamento do consumidor.

Músicas mais rápidas, por exemplo, remetem a uma experiência mais dinâmica, enquanto músicas mais lentas a uma experiência mais imersiva no local. Por isso, é importante ter consciência do ambiente que se cria em uma loja para que a experiência do cliente seja favorável.

O supermercado, por exemplo, busca oferecer uma experiência mais prática e ágil. No geral, os clientes estão ali por necessidade, desejam concluir suas compras rapidamente e seguir com seu dia. Por isso, um ambiente bem organizado, com disposição estratégica dos produtos para facilitar a visualização e a proximidade de itens complementares, contribui para uma jornada de compra mais eficiente.

Já em uma loja de roupas de alto padrão, a experiência precisa ser cuidadosamente planejada para estimular os sentidos e criar conexão emocional. O aroma, a música e a iluminação são elementos que desaceleram o ritmo do cliente, proporcionando uma imersão real no ambiente presencial. Esse refinamento transforma a percepção dos produtos, tornando-os ainda mais desejáveis e reforçando a sensação de exclusividade e conforto.

Já o marketing no metaverso, ocorre uma imersão digital, que o livro exemplifica com marcas inseridas em jogos.

O que ainda parece inacessível para pequenos e médios negócios no Brasil, funciona muito bem para gigantes como Nike e Vans, que criaram espaços virtuais interativos, como exemplificado no vídeo a seguir.

Pista de skate da Vans no Roblox

A publicidade é mediada pelo Roblox Partner Program, que é um programa oficial da Roblox que conecta marcas a estúdios de criação dentro da plataforma. Esses estúdios são desenvolvedores especializados que constroem experiências personalizadas, como jogos temáticos, itens virtuais e eventos patrocinados para grandes empresas.

Por meio desse programa, marcas como Vans e Gucci já criaram espaços interativos dentro do Roblox, aproveitando o engajamento da comunidade para promover produtos e fortalecer sua presença digital no metaverso. Antes, a Roblox encaminhava diretamente essas oportunidades para os estúdios parceiros, permitindo que eles cobrassem taxas altas pelos projetos.

No entanto, em 2025, a empresa começou a vender anúncios e patrocínios diretamente para as marcas, reduzindo a necessidade de intermediação dos estúdios. Isso gerou insatisfação entre os criadores, que passaram a ver a Roblox como uma concorrente, em vez de uma parceira que os ajudava a fechar negócios.

Os anúncios imersivos estão se expandindo com uma nova fase de crescimento. Agora, o Google anunciou uma parceria estratégica com o Roblox.

Esses anúncios aparecem dentro da própria experiência de jogo — como outdoors em cidades virtuais ou painéis em estádios digitais — integrando-se naturalmente ao ambiente e tornando a publicidade parte do conteúdo, sem interromper a imersão.

No Brasil, a marca Hering inaugurou um museu da marca no metaverso. O que, para mim, faz mais sentido, pensando em atrair a atenção de diferentes gerações. Você pode visitar o museu por este link, para ter uma ideia de como funciona.

O novo consumo das gerações Z e Alpha

Os jovens de hoje veem as ferramentas digitais como parte do cotidiano, enquanto boomers e millennials ainda as encaram como meios. Isso faz com que Z e Alpha pulem anúncios, ignorem conteúdo irrelevante e priorizem formatos curtos, memes e interações instantâneas.

Curiosamente, segundo pesquisa citada no livro, apesar de serem considerados nativos digitais, a geração Z ainda prefere lojas físicas para certos produtos, como cosméticos.

O toque, o teste e a interação social são diferenciais que o e-commerce ainda não superou. Isso reforça a estratégia de combinação entre físico e digital (phygital), criando experiências fluidas.

O papel do terceiro lugar e a fadiga digital

Os autores discutem a importância do “terceiro lugar” — espaços que não são casa nem trabalho, como cafés e livrarias, e ainda acrescento na perspectiva do mercado nacional a academia e locais de corrida de rua. Com a fadiga digital, esses espaços estão se tornando refúgios para desconexão e socialização.

A tendência de desintoxicação digital também impulsiona o marketing da nostalgia, trazendo de volta câmeras analógicas, vinis, revistas e experiências mais “físicas”. A desconexão está se tornando um luxo.

Considerações Finais

Marketing 6.0 traz insights interessantes, mas se perde no exagero de temas como metaverso e geração Z. Muitos conceitos apresentados já são conhecidos, e, para quem já está inserido no marketing, o livro parece mais uma compilação do que uma obra inovadora, mas talvez essa seja realmente a proposta.

Para mim, os pontos mais válidos foram a discussão sobre marketing multissensorial, a necessidade de criar experiências autênticas e a crescente tendência da fadiga digital.

No fim das contas, o grande desafio do marketing hoje é não parecer marketing. Quem conseguir se inserir de forma natural na vida do consumidor, participando da cultura e se inserindo no cotidiano, sairá na frente.

Quais pontos chamaram mais sua atenção nesse livro?

Imagem: Pexels


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3 respostas para “Resenha crítica: Marketing 6.0, de Philip Kotler”.

  1. […] 5. Marketing 6.0 — Philip Kotler, Hermawan Kartajaya e Iwan Setiawan […]

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  2. […] esse cansaço e começado a repensar o uso das redes sociais. O fenômeno foi citado, inclusive, no livro Marketing 6.0, de Kotler. Eu mesma optei por focar mais no meu blog e consumir conteúdo de forma mais intencional. E isso tem […]

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