Outro dia, ao passar pela pracinha quase vazia, vi um único balanço se movendo – sem ninguém por perto. Um restinho de vento fazia o trabalho que, tempos atrás, pertencia às crianças.
Era período de férias, mas não havia nenhum pé descalço chutando uma bola, nenhuma risada. Talvez estejam em casa em seus jogos digitais, vendo vídeos no Youtube. As férias escolares não coincidem com as férias do trabalho, e nenhum pai tem mais tempo para levar a criança para brincar ao ar livre, certo?
Não é difícil perceber que a infância mudou. Pergunte a qualquer professor e ele contará histórias de alunos inquietos, impacientes, que se frustram facilmente quando algo não acontece na velocidade de um clique.
Se antes as crianças corriam pelo pátio até o sinal tocar, hoje muitas preferem um joguinho no celular no intervalo. Se antes um passeio no mercado era repleto de curiosidade – “posso empurrar o carrinho?” – agora é um momento de barganha por mais minutos no tablet.

Recentemente, vi um professor comentando no LinkedIn que, depois da proibição dos celulares na escola, as conversas aumentaram na sala de aula. Fiquei pensando: o silêncio que tantos professores desejavam, aquele em que a turma presta atenção sem distrações, foi conquistado às custas do barulho digital.
E, ironicamente, quando os celulares sumiram, as vozes voltaram. A conversa, mesmo que às vezes fora de hora, mostra que ali tem gente socializando de verdade. Claro, vai levar um tempo para os alunos se reacostumarem a ouvir a aula, a seguir um raciocínio sem pular de um estímulo para outro. Mas em um mundo onde a atenção virou um produto valioso, disputado por empresas e algoritmos o tempo todo, haja criatividade dos professores para competir com tudo isso.
Os motivos são muitos. A tecnologia se tornou parte da rotina de uma forma tão natural que, sem perceber, os adultos também passaram a recorrer a ela o tempo todo. Tablets e celulares estão sempre por perto, prontos para entreter, distrair e acalmar. E assim as telas foram ocupando os espaços que antes pertenciam às brincadeiras, às conversas e até ao silêncio – esse silêncio necessário para que a imaginação floresça.
Os efeitos? Professores notam. Os pais, muitas vezes, também. Há crianças que se irritam quando a bateria acaba, que perdem o interesse em atividades que não tenham uma resposta imediata, que trocam qualquer brincadeira por mais um vídeo ou mais uma fase no jogo. E quando um pequeno problema surge – um brinquedo que acaba a pilha ou uma ponta de lápis que quebra – é difícil esperar, respirar fundo, tentar de novo. Tudo precisa ser rápido, como no mundo digital.
Não é sobre proibir, nem demonizar a tecnologia – ela está aí, faz parte da nossa vida e pode ser incrível quando bem usada. Mas talvez seja hora de devolver à infância o que é dela por direito: o tempo sem pressa, a criatividade sem regras, as brincadeiras sem um botão de pause.
E talvez a mudança comece no básico: menos telas na hora das refeições, mais momentos de conversa. Menos distrações eletrônicas, mais histórias antes de dormir. Menos tempo rolando o feed, mais tempo observando os pequenos – porque eles aprendem muito mais com o que fazemos do que com o que dizemos.
Enquanto isso, o balanço na praça continua lá, esperando. Quem sabe, um dia, as crianças e os adultos voltem para lá.
Imagem: Pexels


Deixar mensagem para Ser mãe no século XXI e a pressão silenciosa das redes sociais – Isabella Tôrres Cancelar resposta