CLT, dona de casa, esposa, filha e mãe: a compulsão por produtividade

Antes de me tornar mãe, eu tinha uma espécie de relação harmoniosa com o tempo. Meu foco era tão preciso que fazia as horas se encolherem diante das minhas checklists.

Eu me orgulhava do desempenho, da capacidade de dar conta de tudo, e sempre me desafiava a fazer mais. Mas então veio a maternidade, e com ela, a certeza de que nada no meu antigo cronograma poderia me preparar para isso.

Tentei, confesso. Tentei trabalhar do mesmo jeito que antes. Mas a criação de um bebê não cabe numa planilha, muito menos nos alarmes de um aplicativo de produtividade.

É uma coisa viva, pulsante, imprevisível. Por um momento, todas as técnicas de organização pareciam inúteis, como se fossem uma língua estrangeira que eu já não sabia falar. Percebi que teria de inventar meu próprio idioma.

A maternidade exige um foco que não é ensinado nos livros de produtividade. Um foco que se divide entre alimentar, cuidar, brincar, e ainda arrumar tempo para se manter saudável e inteira.

Eu, que sempre fui obcecada por cumprir tarefas, me vi criando lembretes para tudo. Hoje, rio disso, mas na época era quase uma questão de sobrevivência.

No começo, pensei que poderia resolver minha “nova vida” dividindo as tarefas da casa ao longo da semana.

Regar plantas na segunda, lavar roupas do bebê na terça, fazer yoga na quarta. Coloquei tudo em um aplicativo de produtividade. Depois, achei o aplicativo irritante e migrei para o Google Calendar. Mas nem ele me salvou.

Por fim, escrevi a lista em um papel e colei na cozinha, como uma declaração de guerra silenciosa contra o caos.

Ah, a ilusão do controle…

É claro que deu errado. Sempre dava.

O calor me obrigava a regar as plantas fora do dia marcado, roupas precisavam ser lavadas antes do previsto, e qualquer imprevisto fazia meu plano desmoronar. A compulsão por marcar “checks” nas listas, ao invés de trazer conforto, começou a me aprisionar.

Foi então que, em um dia de cansaço — talvez revolta — decidi descartar todas as listas. E, sabe, foi libertador.

Fiz as pazes com o improviso, com o que dá pra ser feito no momento. Claro, teve suas consequências: meu tomateiro morreu de sede, mas isso é só um detalhe.

Hoje, minhas prioridades são simples. As refeições, o horário de dormir e os passeios do cachorro. O resto? Bem, o resto a gente corre atrás.

Essa experiência me trouxe uma reflexão sobre a cultura da produtividade.

Já disseram isso antes, mas vale repetir: não dá para comparar rotinas e esperar que o mesmo modelo de organização sirva para todos.

Cada pessoa tem suas 24 horas, mas preenchê-las é algo tão único quanto uma impressão digital.

Agora, com minha bebê de 1 ano, o que realmente importa para mim é mantê-la saudável, cuidar de mim mesma, movimentar meu corpo, trabalhar para garantir nossa estabilidade financeira e, acima de tudo, preservar nossa felicidade.

Enquanto eu reflito sobre tudo isso de forma poética, para o meu marido, talvez o essencial seja apenas trabalhar, cozinhar e agitar o bebê — e está tudo bem. Cada um com sua lista invisível, seus próprios improvisos.

No final, o que realmente importa não está na lista. Está na união, no riso, no amor que sobrevive ao caos. Afinal, a vida nunca foi sobre riscar tarefas, mas sobre vivê-las.

Imagem: Pexels


Descubra mais sobre Isabella Tôrres

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

5 respostas para “CLT, dona de casa, esposa, filha e mãe: a compulsão por produtividade”.

  1. […] Sei que muitos jovens de 18 anos estão anos-luz à minha frente nessa área, mas sigo aprendendo e me esforçando, enquanto estudo finanças, desenvolvimento infantil e cuido da casa e da família. […]

    Curtir

  2. […] que me tornei mãe, meu tempo nunca mais foi o mesmo. A rotina virou um malabarismo constante, e logo percebi que a […]

    Curtir

  3. […] checklists em aplicativos de produtividade… só para sentir que se está no […]

    Curtir

  4. […] que me tornei mãe, penso com muito mais critério sobre o uso do meu tempo. Quero estar presente, brincar com minha filha, apoiar seus estudos. Isso é inegociável. E a […]

    Curtir

  5. […] Esse peso recai majoritariamente sobre as mulheres, gerando um nível de exaustão que muitas vezes culmina em problemas de saúde mental. Como parte desse grupo, posso falar com propriedade. […]

    Curtir

Deixar mensagem para Obesidade mental: quando consumir conteúdo demais é um problema – Isabella Tôrres Cancelar resposta