Quando falamos em precificação, é comum que o debate comece nos custos. Matéria-prima, mão de obra, impostos, margem de lucro. Para algumas pessoas, o preço de um produto seria apenas o resultado dessa conta.
Mas, mesmo sem nunca ter aberto um livro de economia, muita gente sabe, na prática, que isso não explica tudo.
Afinal, por que dois produtos tecnicamente semelhantes podem ter preços tão diferentes? Por que estamos dispostos a pagar mais por algo que, objetivamente, não custa mais para ser produzido?
A resposta está em um ponto-chave do consumo contemporâneo: o preço não é apenas um número. Ele é uma construção social, simbólica e emocional.
É aqui que surge uma diferença fundamental:
- Preço é o que você paga.
- Valor é o que você percebe.
O preço aparece na etiqueta. O valor se forma na mente.
E essa formação passa por fatores como comportamento humano, branding, utilidade, contexto cultural, pertencimento, status, design, escassez e, em muitos casos, memória afetiva. Por isso, a precificação está muito mais próxima da psicologia do que da matemática pura.
Primeiro passo: entendendo oferta e demanda
Toda discussão sobre preço começa com um conceito básico da economia: oferta e demanda.
Quando algo é muito desejado e pouco disponível, o preço tende a subir. Quando há abundância de oferta e pouco interesse, o preço cai.
Um exemplo cotidiano ajuda a visualizar isso melhor.
A história da doceira
Imagine uma doceira que começa vendendo bolos por R$ 90. Nesse estágio inicial, o cálculo é relativamente direto: cobrir os custos e garantir algum lucro.
Com o tempo, algo muda. Ela cuida da apresentação, faz fotos e vídeos profissionais em um cenário refinado e começa a postá-los nas redes sociais. Os clientes começam a elogiar, indicar, repostar nas redes sociais próprias. A demanda cresce.
Nesse momento, mesmo que os custos não tenham aumentado de forma significativa, o preço pode, e costuma, subir. Não porque o bolo ficou “mais caro”, mas porque o valor percebido aumentou.
Depois, essa mesma doceira começa a construir sua marca pessoal e ter mais visibilidade. Aparece em eventos, participa de feiras, é convidada para um programa de TV. Seu nome também passa a carregar reputação, confiança e desejo.
O custo de produção continua praticamente o mesmo. Mas o preço pode mudar. Agora, não estamos mais comprando apenas um bolo, estamos comprando a assinatura de alguém que virou referência e possui alta demanda.
Esse é um exemplo claro de como preço responde muito mais ao valor simbólico do que ao custo real, e pode ser muito influenciado pela demanda.
Quando a viralização (aumento de demanda) muda preços
Outro exemplo cada vez mais comum é a viralização de um produto.
O caso do morango do amor, que explodiu no TikTok, ilustra isso perfeitamente.
Em poucos dias, o que era um doce simples passou a ser extremamente desejado. O resultado foi:
- o preço do morango disparou;
- o doce passou a ser vendido com margens muito maiores;
A receita era a mesma. Teve um aumento no custo, já que o morango também sentiu a mudança da demanda. E a maior transformação foi no olhar do consumidor.
A viralização cria escassez simbólica, urgência e desejo coletivo. E quando isso acontece, o valor percebido sobe, e o preço acompanha.
O valor de uso: o quanto aquilo é útil para você
Outro elemento central na formação de valor é o valor de uso: o quanto aquele produto resolve um problema real na sua vida.
Um exemplo para ajudar a entender.
Se eu não corro, não faz sentido pagar R$ 1.000 em um tênis que serve para corrida profissional. Para mim, o valor percebido é baixo. Posso até reconhecer a qualidade, mas ela não se traduz em utilidade prática.
Agora, para alguém que corre todos os dias, participa de provas, precisa de amortecimento, estabilidade e durabilidade, esse mesmo tênis pode ter um valor altíssimo. Nesse caso, o preço deixa de parecer exagerado, ele se torna coerente.
Quanto maior a utilidade percebida, maior a disposição para pagar.
E isso explica por que o mesmo produto pode ser considerado “caro” por uns e “justo” por outros.
Valor intrínseco: quando o valor vem da história do objeto
Existe também o valor intrínseco, que está ligado às características simbólicas e narrativas do próprio produto.
O caso das xícaras da Tânia Bulhões é um exemplo emblemático.
A marca lançou uma coleção inspirada em fazendas de Minas Gerais, com estampas supostamente criadas a partir das vivências da designer. O discurso envolvia memória, afeto, brasilidade e exclusividade.
Esse storytelling agregava valor.
Mas tudo desmoronou quando uma influenciadora encontrou o mesmo conjunto de chá em uma cafeteria simples na Tailândia. Surgiram perguntas:
- Onde estava a exclusividade?
- A história era genuína ou apenas uma narrativa bem construída?
- O produto era autoral ou apenas um item genérico com branding sofisticado?
O impacto foi imediato. A percepção de valor caiu, a confiança foi abalada e a coleção acabou sendo retirada.
Esse caso mostra como o valor intrínseco depende diretamente da coerência entre discurso e realidade. Quando essa coerência se rompe, o preço deixa de se sustentar.
A força do branding na construção de valor
Branding é, essencialmente, a arte de moldar percepção.
O mesmo produto, com o mesmo custo e a mesma função, pode ser percebido de formas completamente diferentes dependendo do contexto em que é apresentado.
Um conjunto de xícaras:
- em uma lojinha simples do centro,
- ou em uma loja luxuosa de shopping,
gera expectativas distintas. O ambiente, a narrativa, o atendimento e a estética influenciam diretamente o valor percebido.
Para o consumidor, desenvolver consciência sobre esses mecanismos é uma forma de consumo mais crítico, e menos impulsivo.
Para as empresas, branding é uma ferramenta estratégica: permite aumentar valor percebido sem alterar custos, desde que exista consistência entre promessa e entrega.
Valor sentimental: quando a memória determina o preço
Há ainda um tipo de valor que foge completamente da lógica racional: o valor sentimental.
Marcas exploram isso o tempo todo, especialmente por meio da nostalgia:
- cheiros que remetem a Bubbaloo,
- aromas de bala Fini,
- cosméticos com fragrância de Coca-Cola,
- embalagens que lembram a infância.
Quando um produto ativa memórias afetivas, ele deixa de ser apenas funcional. Ele se torna emocional.
E quando entra emoção, a lógica de preço muda. Pagamos mais não pelo produto em si, mas pelo sentimento que ele desperta.
Como as empresas realmente definem o preço
Na prática, precificar envolve analisar uma combinação complexa de fatores, como:
- custos diretos (matéria-prima, mão de obra, energia);
- custos indiretos (marketing, logística, impostos, operação);
- concorrência;
- valor de uso;
- valor intrínseco;
- valor percebido pelo público.
A partir disso, a empresa escolhe uma estratégia:
- margens menores com alto volume de vendas, ou
- margens maiores com volume menor.
Tudo depende do posicionamento: produto básico ou premium?
E é importante lembrar: preço alto exige coerência. Produtos mais caros precisam oferecer uma experiência compatível, seja em atendimento, design, narrativa ou benefícios reais.
Por que os preços variam tanto ao longo do tempo
Mesmo depois de definidos, os preços não são estáticos. Eles mudam conforme:
- oferta e demanda (como brinquedos no Natal);
- custos de produção (como transporte afetado pelo preço do petróleo);
- concorrência;
- sazonalidade (frutas, passagens aéreas);
- expectativas de mercado.
Alguns setores, inclusive, vivem de volatilidade:
- materiais escolares sobem no início do ano;
- moda muda preços a cada coleção;
- empresas ajustam valores constantemente para manter giro e competitividade.
Conclusão: preço não é apenas matemática, é comportamento
No fim das contas, a formação de preços acontece no encontro entre:
- o quanto alguém está disposto a pagar,
- e o quanto alguém deseja receber.
Mas esse ponto de equilíbrio é moldado por muito mais do que números.
Ele é moldado por percepções, emoções, utilidade, branding, cultura, contexto social e memória.
Por isso, entender a diferença entre preço e valor é essencial, tanto para quem vende quanto para quem consome.
A imagem deste post foi criada com auxílio de inteligência artificial por meio do Sora.


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