Fanatismo e perda cognitiva: o que o estudo sobre celebridades pode nos ensinar sobre influenciadores digitais?

Nota: para não interromper sua leitura, as referências encontram-se ao final do texto.

Um estudo publicado em 2021 no BMC Psychology fez uma conexão importante (e um tanto desconfortável): altos níveis de adoração por celebridades estão associados a um leve declínio no desempenho cognitivo. Isso mesmo: quanto maior o fanatismo, menor a performance em testes que exigem raciocínio e memória de curto prazo.

Os pesquisadores analisaram mais de 1.700 adultos húngaros, que foram submetidos a testes de cognição e responderam a questionários sobre autoestima, situação financeira e, claro, sobre o quanto admiravam celebridades.

O controle estatístico de variáveis mostrou que, mesmo considerando outros fatores, a adoração excessiva por celebridades tinha impacto negativo no desempenho cognitivo, embora discreto.

Agora, o ponto mais interessante: e se trocarmos o termo celebridade por influenciador digital?

Hoje, quem ocupa o lugar simbólico das grandes celebridades são, muitas vezes, pessoas comuns que viralizaram na internet, construíram uma audiência e, a partir dela, ergueram verdadeiros impérios pessoais, com marcas próprias, legiões de fãs e uma presença constante na vida dos seguidores.

O problema é que essa influência não é acidental. Ela é construída com estratégias psicológicas bastante sofisticadas, muitas vezes com a ajuda de agências e consultorias especializadas. Algumas dessas táticas incluem:

  • criação de comunidades altamente engajadas, onde quem acompanha se sente parte de algo maior;
  • exploração do medo de exclusão social: o famoso FOMO (fear of missing out), reforçado por frases como “todo mundo está usando isso” ou “viralizou na rede vizinha”;
  • apelos emocionais repetidos, que fazem com que o público sinta o que o influenciador sente: raiva, compaixão, orgulho, revolta;
  • e claro, a construção de uma narrativa pessoal envolvente, que mescla autenticidade e estratégia de branding para tudo soar bem real.

Essas ferramentas funcionam muito bem para atrair a atenção do público. Mas também podem nos tornar mais suscetíveis à manipulação. É nesse ponto que a deficência cognitiva entra, com a falta de visão crítica: ao não perceber que estão sendo criadas estratégias para te agradar, mas que no fim servem apenas para gerar consumo: de produtos, serviços ou ideias.

Ter consciência disso é o primeiro passo para escapar do ciclo de consumo emocional e identificação cega. O estudo mostra que a perda cognitiva não vem do interesse em si, mas do fanatismo sem reflexão.

Tudo bem gostar de ouvir as músicas de um cantor repetidas vezes, mas dormir de fralda na porta do hotel em que ele está hospedado para tentar ganhar um “oi” já se torna uma prática abusiva. Quando o senso crítico desaparece, abrimos mão da nossa autonomia para pensar, questionar e decidir.

Em um mundo de engajamento a qualquer custo, desconfiar é sinal de inteligência. Ser seletivo com o conteúdo que consumimos, com as causas que apoiamos e com os produtos que compramos é maturidade digital.

A idolatria na internet pode parecer inofensiva, mas quando se torna excessiva, afeta nossa capacidade de pensar com clareza, perceber manipulações e fazer escolhas com base nos nossos próprios valores. Fazer um detox digital radical pode fazer com que pense com mais clareza depois de um tempo.

O que você pensa sobre isso?

Referência

Zsido, A. N., et al. (2021). Cognitive performance and celebrity worship: a preliminary investigation. BMC Psychology, 9(1), 96. https://bmcpsychology.biomedcentral.com/articles/10.1186/s40359-021-00679-3

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