Brincadeiras proibidas, telas liberadas: um caminho ansioso na infância

Aviso: as referências estão no final do post.

  1. Dicas práticas para incentivar brincadeiras saudáveis com risco
  2. Referências
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Vivemos tempos curiosos. Ao mesmo tempo em que eliminamos qualquer risco do cotidiano das crianças, seja ao impedir que subam em árvores, corram livremente ou se arrisquem em uma simples brincadeira de esconde-esconde, entregamos a elas uma das ferramentas mais complexas, viciantes e emocionalmente corrosivas dos últimos tempos: o smartphone.

Pesquisadores como Ellen Sandseter e Leif Kennair vêm alertando há mais de uma década sobre os riscos da privação das brincadeiras arriscadas. Para eles, essas experiências não são apenas naturais, mas essenciais para o desenvolvimento emocional saudável.

Ao evitar o contato das crianças com pequenos desafios físicos e sociais, cultivamos gerações mais frágeis, menos resilientes e mais propensas à ansiedade.

Em seu estudo de 2011, Sandseter e Kennair classificaram os tipos de brincadeiras que envolvem risco, observadas de forma recorrente em ambientes onde as crianças têm liberdade de brincar. São elas:

  • brincar em grandes alturas: como subir em árvores ou estruturas de playground;
  • alta velocidade: correr descidas, andar de bicicleta ladeira abaixo;
  • usar ferramentas reais: como facas, martelos ou bastões, sob supervisão;
  • brincar perto de elementos perigosos: como fogo ou água;
  • brincadeiras físicas com confronto: como lutas amigáveis ou cabo de guerra;
  • se perder de propósito: explorar ambientes longe dos adultos, testando autonomia.

Essas atividades ajudam as crianças a testar seus próprios limites, desenvolver autocontrole, tomar decisões e lidar com o medo de forma saudável. Em vez de causar traumas, essas experiências moderadas com o medo reduzem a probabilidade de desenvolver fobias e transtornos de ansiedade ao longo da vida.

A conclusão dos pesquisadores é clara: o contato com riscos controlados na infância não apenas é seguro, como é necessário. Impedir esse tipo de experiência pode gerar crianças mais ansiosas, inseguras e dependentes. Ao superprotegermos, deixamos de fortalecer.

Agora, adicione a essa equação a exposição precoce e intensiva aos smartphones, com redes sociais, comparações constantes, notificações incessantes e dopamina fácil.

O autor Jonathan Haidt, em seu novo livro A Geração Ansiosa (The Anxious Generation), aponta esse desequilíbrio como um dos principais fatores do aumento das crises de ansiedade entre crianças e adolescentes, sobretudo a partir de 2012, quando o uso de smartphones e redes sociais se popularizou entre os mais jovens.

Haidt argumenta que houve uma inversão preocupante: crianças que antes exploravam o mundo real, com seus riscos e aprendizados, agora vivem em um mundo digital hiperprotegido, mas emocionalmente desgastante. Os riscos físicos foram trocados por riscos psicológicos, muitas vezes invisíveis aos olhos dos pais.

Esse argumento ecoa o conceito do livro Antifrágil, de Nassim Nicholas Taleb.

Para o autor, existe uma diferença entre o que é frágil, robusto e antifrágil. Enquanto o frágil quebra diante do estresse, o robusto resiste. Já o antifrágil melhora quando é exposto ao caos, ao erro e ao desconforto.

Crianças, em seu processo de desenvolvimento, são sistemas antifrágeis. Elas precisam de desafios graduais, de frustrações e riscos administráveis para crescer mais fortes, e não mais frágeis.

Quando eliminamos os pequenos estresses (como se arranhar numa brincadeira ou se perder momentaneamente de um adulto), retiramos a oportunidade de fortalecimento emocional e social. E, em troca, oferecemos distração digital imediata, que pode parecer mais segura, mas é, na verdade, emocionalmente desgastante e empobrecedora, em grande parte dos casos.

Dicas práticas para incentivar brincadeiras saudáveis com risco

  • Estimule atividades ao ar livre e permita que a criança brinque sozinha por curtos períodos (sempre com segurança equilbrada);
  • crie um “quintal de aventuras”: cordas, troncos, caixas, ferramentas de brincar ou estimule a criação desses ambientes no seu bairro, em praças ou parques;
  • dê autonomia progressiva para pequenos desafios: ir até a esquina, explorar um parque, ajudar na cozinha com objetos reais;
  • evite a vigilância excessiva e o medo de todo arranhão;
  • estabeleça limites de uso para telas e substitua o tempo digital por tempo real, com movimento, corpo e contato com o mundo.

Se queremos formar adultos mais confiantes, criativos e emocionalmente equilibrados, talvez o primeiro passo seja permitir que nossas crianças brinquem mais e com mais liberdade. Porque, no fim das contas, o maior risco talvez esteja em tentar eliminar todos eles.

Esse desafio impacta tanto pais quanto filhos, e exige atenção para que não projetemos nossas inseguranças neles, permitindo que cresçam de forma saudável.

Referências

Sandseter, E. B. H., & Kennair, L. E. O. (2011). Children’s risky play from an evolutionary perspective: The anti-phobic effects of thrilling experiences. Evolutionary Psychology, 9(2).👉 https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/147470491100900212

Haidt, Jonathan. The Anxious Generation: How the Great Rewiring of Childhood Is Causing an Epidemic of Mental Illness. 2024.

Taleb, Nassim Nicholas. Antifrágil: Coisas que se beneficiam com o caos. 2012.

Imagem: Pexels


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Uma resposta para “Brincadeiras proibidas, telas liberadas: um caminho ansioso na infância”.

  1. […] levanta ainda um ponto que já vem sendo debatido há algum tempo: o excesso de proteção na infância pode gerar adultos ansiosos. Quando a criança não tem espaço para lidar com frustrações, errar, se virar um pouco sozinha, […]

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